Moçambique, um “bebé” de 44 anos

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O Estádio da Machava ¬ à época Estádio Salazar, um dos mais modernos do continente – engalanou-se naquela noite de 24 de Junho de 1975, para receber em apoteose todos aqueles que a ele acorreram. Vinham às catadupas de todos os cantos da então Lourenço Marques, para ouvir a proclamação da Independência de uma nova nação. A azáfama era enorme e as emoções estavam a mil…
Tombava um dos últimos resquícios do Estado Novo, e nascia o novo Estado. A República Popular de Moçambique.

Samora Machel, o primeiro presidente do jovem país foi quem proclamou a Independência Nacional às 0 horas do dia 25 de Junho. A Luta de Libertação Nacional terminara havia quase um ano, ou seja, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, na metrópole. Vinha-se portanto de um longo período de um governo de transição, daí que praticamente toda gente tivesse um conhecimento substancial sobre a razão, e sobretudo o sentido da Independência.

Mas… e hoje?
Volvidos que são 44 anos desde essa histórica data, será que os moçambicanos – ou pelo menos uma considerável franja deles, continua a entender o real sentido da Independência Nacional? Será que opaís em si ainda se dá ao respeito, de molde a que o seu povo tenha orgulho dele?

DA “REVOLUÇÃO” AO CAPITALISMO SELVAGEM

Há pouco menos de uma semana Moçambique fechou um dos maiores negócios de sempre (senão o mesmo o maior), destes seus 44 anos de existência. A chamada DFI – Decisão Final de Investimento, que tem a ver com a exploração de gás na bacia do Rovuma (uma das maiores reservas do mundo), envolve um consórcio liderado pela americana Anadarko e valores astronómicos que andam na ordem dos 25 mil milhões de dólares.

Este exemplo, para quem olha de fora, pode dar a impressão de estarmos diante de um país com uma economia pujante, em franca ascensão ao longo destes 44 anos de existência – o que está longe de constituir verdade.
Moçambique tem feito o seu percurso de forma lenta e alternada, visto que tem sofrido as agruras que infelizmente afligem a maior parte dos países africanos: guerras fratricidas, crises económicas e sociais, e calamidades naturais de toda ordem.

Os primeiros anos da Independência – a I República, ou período revolucionário, ou ainda, a Era Samoreana, como comummente se designa essa fase – foram caracterizados por uma economia centralizada, fruto de uma ideologia marxista-leninista muito apoiada por uma amplo processo de nacionalizações.

Foi nesse período que se deu a “debandada” para Portugal dos principais (detentores de) recursos e know-how, e que o país teve a noção exacta da sua triste sina: mais de 90% de analfabetos e só uma meia dúzia de gentes com formação para tentar pôr a máquina a andar…

Numa economia cada vez mais moribunda, o estado de partido único era o exclusivo provedor de bens e serviços à população – daí as racionalizações, as bichas para a aquisição de quase toda a gama de produtos e as carências de vária ordem.

O ano de 1981 (seis após a Independência) terá sido o de pior memória para os moçambicanos. Associado ao declínio da produção agrícola, com origem em factores de vária ordem, acontecia também o recrudescimento da guerra civil, entre as forças governamentais e a Renamo (ResistênciaNacional Moçambicana).
A Renamo surgira em 1977, formada por dissidentes da Frelimo, e apoiada durante alguns anos por governos de países vizinhos, nomeadamente os da então Rodésia e da África do Sul.
Inconformados com o sistema marxista vigente, esses dissidentes da Frelimo, capitaneados por um General, André Matsangaíssa (substituído após a sua morte por Afonso Dhlakama), formaram o movimento e foram “galgando terreno” durante 16 anos, até à assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), em Roma – 1992.

Nesse entretanto o país foi marcado por uma série de acontecimentos relevantes a todos os níveis, tendo sido o mais marcante a morte de Samora Machel a 19 de Outubro de 1986, em Mbuzini (África do Sul) vítima de acidente de aviação, quando regressava de uma missão de trabalho em Mbala (Zâmbia). 

Para uns, carismático, mas para outros nem por isso, Samora marcou uma geração.

Foi substituído na Presidència por Joaquim Chissano– então Ministro dos Negócios Estrangeiros – homem que por acaso chefiara o Governo de Transição, em 1974/75.  
A partir daí as coisas em Moçambique começaram a mudar a olhos vistos…

O TEMPO DAS VACAS GORDAS

Os anos 90 trouxeram uma lufada de ar fresco para Moçambique e para os moçambicanos. E tudo alavancado pela aprovação de uma nova Constituição da República. Nasceu então a II República, que deixou de ser “popular”, mas simplesmente República de Moçambique. Foi introduzido o regime multipartidário. Aeconomia passou a ser de mercado. O país aderiu às instituições Bretton Woods. Foram iniciadas (e concluídas com o AGP) as conversações com a RenamoToda esta catadupa de acontecimentos culminou com as primeiras eleições gerais multipartidárias em 1994.

Todo mundo estava de olhos postos no processo moçambicano. Apoios chegavam dos mais diversos cantos do planeta. “Trust Funds” daqui e d´acolá.
O país saia assim, de forma exemplar, de uma asfixia financeira e, por via disso, de uma crise social. Por isso mesmo, os primeiros anos da democracia foram uma festa a todos os níveis: um país sem guerra e uma população com dinheiro no bolso.

Não há dúvidas que o país registou progressos assinaláveis, os quais davam uma clara indicação de que se caminhava rumo à prosperidade. Mas também houve alguns retrocessos que comprometeram, e de que maneira, o rumo almejado.

Para já os processos eleitorais foram todos eles marcados por acontecimentos tristes – alguns dos quais resultaram, quiçá, em retornos a conflitos armados e consequente perda de vidas humanas.

Em todos os cinco processos eleitorais (eleições legislativas e presidenciais) a Renamo alegou fraude, tendo em várias situações apresentado provas, as quais na maior parte das vezes foram ou ignoradas ou desvalorizadas pelos órgãos de administração eleitoral. E foi nessas ocasiões que a Renamo optou pelo regresso às matas, com o seu “líder histórico” Afonso Dhlakama a refugiar-se na dita parte incerta, algures na serra da Gorongosa, no centro do país.

O ACTUAL PERÍODOS  CRÍTICO

Após 18 anos como Presidente da República, Joaquim Chissano passou o testemunho a Armando Guebuza em 2004. O homem chegou “com tudo”, hasteando o discurso do “combate ao deixa-andar”, o que de certa forma foi visto como uma crítica ao seu antecessor.

Porém foi ao longo dos 10 anos de “reinado” de Guebuza – duas legislaturas – que o país bateu no fundo, sendo que o famigerado caso das dívidas ocultas, amplamente divulgado pela imprensa nacional e internacional, terá sido a maior mácula de todas.

O Estado emitiu garantias soberanas para instituições financeiras internacionais, onde meia dúzia de indivíduos/entidades foram pedir empréstimos astronómicos, alegadamente para a criação de empresas “importantíssimas para o país”.

De parte desse dinheiro nasceram as famigeradas empresas Ematum – Empresa Moçambicana de Atum; Proindicus e MAM – Mozambique AssetsManagement. Outra parte do dinheiro ficou em comissões e afinal, e uma outra ainda, foi para os bolsos da cúpula. Confirma-o o relatório independente da Agencia Kroll.

Como é sabido, em conexão com o caso, o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang encontra-se detido na África do Sul, aguardando uma eventual extradição para os Estados Unidos.

Além dele, várias personalidades do mundo politicoe empresarial encontram-se detidas em Maputo. O próprio antigo Chefe de Estado já prestou depoimentos sobre o caso, e há fortes probabilidades de o actual Chefe de Estado, Filipe Nyusi, também poder a ver o seu nome envolvido caso.
É que Nyusi, cujo (primeiro) mandado termina em Outubro, era o Ministro da Defesa no governo de Armando Guebuza, e muitos milhões foram alegadamente “drenados” para o seu pelouro, com o objectivo de reforçar a defesa da extensa costa marítima.

Aliás, foi exactamente no segundo mandato de Guebuza que se agudizou a crise económica, com os parceiros a virarem costas ao país, devido exactamete a essa “burrada” das dívidas ilegais. Na “praça” o dinheiro sumiu. A crise social agudizou-se. Foi igualmente nesse período que se registaram as maiores manifestações de rua, com alguns tumultos à mistura.
Foi ainda no período 2009 – 2014 que surgiram os famigerados “esquadrões da morte”, cuja acção(alegadamente) resultou na morte de várias personalidades contestatárias ao regime, de entre elas, políticos, académicos e juristas. Muitos outros foram seviciados (alegadamente) por estes sinistros indivíduos. Autênticos paus mandados!

Nyusi em termos práticos e palpáveis não terá melhorado quase nada. As dificuldades da população continuam as mesmas, nalguns casos tendendo até a piorar. A desculpa é sempre a mesma: o pesado fardo que herdou de Guebuza

Todavia é assinalável o seu esforço para cumprir com o que prometeu quando foi empossado: trazer a paz definitiva, custe o que custar.
Vai daí não se coibiu de subir a serra da Gorongosarumo àparte incerta, onde se encontrou e conversou com Afonso Dhlakama.

Dhlakama que entretanto viria a perecer por doença – o que para muitos foi visto como um forte golpe no processo de construção democrática. O “líder histórico” da Perdiz foi substituído por um outro General, Ossufo Momade, com quem o Presidente da República retomou as negociações.

Enquanto comemora os seus 44 anos de existência, o país prepara-se para as 6ªs eleições gerais. E talvez por isso alguns focos de tensão começam a fazer-se sentir. Desta feita tudo tem a ver com o chamado processo DDR (desarmamento, desmobilização e reintegração dos homens da Renamo).
Aparentemente existem conflitos internos no interior do maior partido da oposição.

Embora se diga à boca pequena que existe uma ala no interior da Renamo que contesta a liderança de Ossufo Momade, a versão oficial da perdiz é quetudo isso não passa de manobras dilatórias do partido no poder para desestabilizar as suas hostes.

Argumenta a Renamo que em sua casa reina a paz e a tranquilidade, e que em Outubro estará tudo “au point” para a sua participação nas eleições gerais.
A ver vamos…

Por ora, parabéns Moçambique – pátria amada, pelos 44 de Independência…

Homero Lobo

 

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