Cris Dias*
A paixão pela indumentária e pelo requinte juntou, pela primeira vez, estilistas indígenas da Amazónia, uma Rainha do Congo da área da moda, a primeira top-model do Brasil a nível global e várias criadoras da diáspora brasileira na famosa Ponte de Londres – Tower-Bridge -, de onde anunciaram as novas tendências do mundo da moda para 2024.
No próximo ano, garantem, haverá vários projetos de moda com enorme potencial de internacionalização, alguns dos quais virados para o mercado português.
O jornal É@GORA cobriu aquela que, mais do que uma Edição da ‘Semana de Moda de Londres” [e que incluiu o Brasil Moda no Mundo-2023], foi o momento de partilha do espaço para (re)lançar ideias de inclusão de estilistas brasileiras cujas tendências são inéditas no habitual mundo fashion e reforçar a permanente luta pelo empoderamento das mulheres vítimas de violência, sobretudo, na diáspora.
O encontro decorreu em setembro, em pleno verão tropical da capital londrina, mas o impacto dos novos produtos aí apresentados atravessam, em toda linha, a Tower-Bridge, palco da ‘Moda de rua’.
E tudo que foi aí anunciado permanece atual pois a sua expansão assenta numa visão prospectiva da moda a nível internacional.
A estilista brasileira Gloria Bispo que, de Porto Seguro-Bahia, decidiu emigrar para Suíça, deslumbrou o público presente com a sua coleção que pretende se tornar numa das maiores tendências para o ano 2024: vestuários masculinos e femininos inspirados nas comunidades indigenas Tapaxo.
Celma Brett, uma nordestina apaixonada por moda, que é imigrante nos Estados Unidos da América, apostou na criação da sua própria marca: a CelBrett que apresentou uma coleção de fatos de banho, primeiro, posta à venda no Brasil ainda este ano. É há uma coleção já encomendada a essa estilista brasileira quer para comercialização no mercado norte-americano, quer para o Reino Unido, bem como Portugal.
Cláudia Madaleno, uma empreendedora luso-angolana, fez sua marca no cenário da moda internacional ao apresentar sua coleção primavera-verão 2024 da marca de sapatos Sarah Maier durante a Semana da Moda de Londres. Com um foco claro em conforto e elegância, a coleção inclui sandálias baixas e de meio salto em pele, em tons vibrantes de azul, verde e rosa com acabamento metalizado.
Além disso, pela primeira vez, a Sarah Maier lançou uma linha de ténis e bolsas de mulher, atendendo à crescente procura por calçados confortáveis, especialmente impulsionada pela popularidade dos ténis.
O evento ocorreu no âmbito do Emerge SS24, promovido pela plataforma Oxford Fashion Studio, onde 26 estilistas de 14 países, incluindo Portugal, apresentaram suas criações, destacando a diversidade e inovação no mundo da moda.
A edição deste ano contou desta vez com a participação da icónica atriz Luiza Brunnet, que não só é conhecida por ser a primeira Top-Model brasileira no mundo, como também por se ter tornado na primeira ativista do Brasil na luta contra a violência doméstica.
O tema foi, de resto, destacado logo ao arranque do evento, com o anúncio de um projeto feminino de empoderamento de mulheres e a campanha global contra a violência doméstica que, também no Brasil, conta com o contributo da própria Luiza Brunnet, atriz, mãe e primeira ativista de género.
Após a exibição de um vídeo musical do rapper brasileiro ‘Alock’ onde a atriz e modelo, vitima de violência doméstica e abusos desde criança, dá as caras, Luiza Brunet lança o debate aos presentes para chamar atenção para o impacto universal deste fenómeno.
“Acho que o meu papel e o meu ponto de vista é compartilhar a minha história”, até porque “noutros lugares, noutros países, como, por exemplo, na Alemanha tenho umas amigas que já vi passarem por isto e falaram sobre motivar as mulheres a saírem o mais rápido possível de relacionamentos abusivos”, diz Luiza Brunnet quando convidada a falar ao tapete vermelho sobre um vídeo que atingiu quase cinco milhões de visualizações.
Luiza Brunet representa o seu próprio papel na vida real no video do músico brasileiro que é feito com retalhos de cenas de mulheres e raparigas do mundo vítimas da violência doméstica e de abusos de vários tipos.
A atriz também se mostra num momento envolta em tamanho desespero e sofrimento. É, no entanto, através deste rap musical que se faz a denúncia contra o estigma dos abusos e da violência doméstica e sexual responsável por muitos tipos de nódoas dolorosas na mulher e menina do Brasil, na menina e mulher dos países latinos, na mulher da diáspora e na mulher e menina do mundo.
Mas a Semana de Moda de Londres aterrou com uma mala cheia de surpresas, pelo que, durante cerca de três horas e meia, a audiência do Brasil Moda no Mundo viu desfilar na passerelle vermelha o trabalho de tendências para o próximo verão tropical de 2024.
A imigrante paraguaia Rita Perez vive em Nova Iorque onde criou a colecção
Saraki em homenagem às senhoritas, moças prendadas, travessas mas felizes, bordadeiras da região Saraki no Paraguai.
Da região nova-iorquina, a estilista Rita Perez levou a sua coleção de moda o
vestidos e túnicas femininos e masculinos de praia para a noite da Semana de Moda de Londres-2023 [que inclui Brasil Moda no Mundo. A novidade foi esse tecido em “casquinha- de-ovo/chita” em tons brancos e azuis de bordados à mão e renda artesanal paraguaia. As rendas e os bordados que compõem esses vestidos são italianos.
É um trabalho que a imigrante sempre quis mostrar ao mundo por gostar muito de praia e por ser feito pelas Saraki que, na verdade, são “umas meninas-mulheres, de uma pequena vila do Paraguai, que são travessas mas felizes”.
Foi “por isso quis mostrar”, justificou Rita Perez.
A marca MVPE, do jovem estilista brasileiro Marco, apresentou moda street, trajes desportivos de rua, um sonho de criança de estilos diferentes em cada coleção.
Um desfile de moda passado por pessoas “castanhas”, termo usado para referir pessoas, homens e mulheres, comuns da sociedade numa campanha de sensibilização, anti discriminação e inclusão de pessoas com medidas um pouco mais largas, pessoas com deficiências, modelos de mais idade.
“Byubag” foi o desfile que se seguiu com bolsas de se sair à noite e cestas artesanais de praia e de se ir ao mercado, ao bazar da vila, como antigamente. Bolsas e cestas de consumo consciente e uso sustentável, acessíveis a qualquer pessoa e com um novo conceito de poderem ser alugadas, no lugar de serem compradas, um projeto da criadora brasileira Fernanda.
Seguiu-se a prova dos “shots” da caipirinha dourada com lima e servida em estilo de praia pelos próprios modelos da passarela vermelha.
Como trago forte e seco tem de ser cortado com algo bom e doce, foi a vez da prova dos sapatinhos de chocolate da Cinderela brasileira.
A desenhadora Rose Juvenal, imigrante brasileira que confecciona sapatos de chocolate, trouxe da Alemanha onde reside, uma pequena coleção de sapatinhos de chocolate bordados e lisos e em tons cru e de cristal e outros lisos de chocolate encarnado e ainda outros de chocolate cor-de-rosa camarão que a meio do desfile foram sendo provados por uma gulosa “viúva-alegre” enquanto que outros iam sendo dados provar a outros da audiência.
E o tão esperado momento da noite chegou com ‘Mi Moda Indígena’ na segunda parte do evento da Semana de Moda de Londres-2023-BrasilFest2023. Desde trajes masculino e feminino de noite com “collages” de folhagem verde inspirados na floresta da Amazónia, a vestidos de noiva e saias com tecidos pintados à mão e com efeitos de “collage” com sisal; corpetes em “crochet” e com aplicações de contas de “lágrimas de Nossa Senhora; lágrimas de Maria”; passaram pela passarela da Semana de Moda de Londres 2023. Coleções inspiradas nas raízes tradicionais amazónicas e que um coletivo de sete mulheres estilistas indígenas decidiu trazer até a Semana de Moda de Londres-2023.
Entre lágrimas e agradecimentos, a lider do grupo de estilistas da Amazónia contou que as mulheres do seu grupo que inclui a sua mãe “passaram meses” a trabalhar para fazer os vestuários que representam os povos da Amazónia, desde o Amazonas ao Pará.
“O que para nós é um facto histórico, porque nós somos os protetores dessa Amazónia, dessa floresta. E hoje nós temos o programa de ensino de moda indígena” que, assinalou, “não é apenas uma marca, ela é um programa de ensino nas comunidades onde o projeto começou”.
Manifestando a vontade de que todas as pessoas que acreditaram e investiram neste sonho estivessem a testemunhar aquele momento em Londres, a responsável descreveu quem são essas estilistas da comunidades do Amazonas e do Pará que, pela primeira vez, subiram um palco da moda de dimensão mundial.
“São mulheres que vieram de aldeias, que falam a língua delas, indígena. Para nós é um marco e não há palavras” pois “é a primeira vez que nós indígenas pisamos uma passarelle internacional e isso é um marco para todas as comunidades do Amazonas e do Pará. E para nós é uma satisfação muito grande. Eu falo como uma menina mungurutu que nunca imaginou que algum dia iria chegar até aqui”, diz entre lágrimas e soluços.
De Manaus para a Semana de Moda de Londres-2023, houve coleções de vestuário de moda que iam sendo alternadas com adereços a partir de trabalhos de artesanato de algumas tribos da Amazónia, como as cestas em verga, quase em vias de extinção no Brasil, mas que um jovem empresário decidiu salvar e trazer àquele evento mundial.
“Cada cesta é de um material diferente, cada material vem de uma tribo diferente e o pouquinho de dinheiro que a gente compra essas cestas vai directamente para a tribo e para ajudar eles a continuar com a cultura deles”, referiu o jovem empresário.
Já no final do evento de moda uma outra grande surpresa – a coleção de trajes tradicionais africanos da rainha estilista do Congo que pretende promover as “civilizações incríveis” para que África seja vista através da sua indumentária com cores vibrantes.
A estilista com origens africanas explicou o essencial da sua coleção.
“A minha moda é inspirada no Congo, pelo rufar dos tambores de África, pela beleza daquele continente que é a casa de cada um de vocês e o Brasil que é um lugar particular onde uma boa parte dos congoleses foram para ali trazidos contra a sua vontade”, disse remetendo-se à História global sobre o comércio internacional de escravos.
“Quando eles foram trazidos para o Brasil fizeram o que tinham de fazer: ajudaram a fazer daquele país o que ele é hoje. Contribuíram imenso para o Brasil. Agora desejo regressar a África para casa com a minha coleção que é inspirada nas mulheres do Congo que trabalham arduamente”, afirmou a Rainha Diambi, destacando o perfil dos seus estilistas e alfaiates que não são pessoas famosas com dinheiro mas pessoas humildes que trabalham em sítios como as favelas do Brasil”.
Conhecida como rainha do povo ‘bantu’e que já foi coroada no Brasil pelo povo ‘bantu’ brasileiro, Diambi disse acrescentou.
“Eu quero mostrar o seu trabalho e o quão belo África é, porque de cada vez que se fala em África nunca se ouvem as histórias do povo de verdade. Ouve-se propaganda o que já foi usado no passado para que possam abusar do povo africano e os obrigar a fazer trabalhos forçados. Não se ouvem as histórias de continente onde as pessoas ali vivem há já 400 mil anos. E tivemos civilizações incríveis que muito poucos conhecem”, disse exemplificando.
“No Congo fazíamos cálculos matemáticos há 25 mil anos. Não somos selvagens, estúpidos, nem adoradores do diabo tal como muita gente nos quer fazer parecer. Somos pessoas bonitas vivendo em simbiose com a natureza. Tivemos civilizações incríveis e quero que essa África seja vista através das roupas, quero as cores e os ritmos e a alegria e a inteligência. Porque eles trabalham sem ter o que comer mas são capazes de fazer todas estas belas roupas que vocês viram. Às vezes nem sequer têm eletricidade mas são criativos, engenhosos e divertidíssimos e prontos a trazerem todas estas cores para vocês e para vos lembrar de Casa. O Congo é uma casa para vocês também. E a Casa é um lugar de boas-vindas, é um lugar divertido de inspiração”, afirmou.
Há muitos anos afastada dos desfiles de moda internacional, a icónica top-model Luiza Brunnet voltou a pisar o chão da passarelle com o mesmo profissionalismo e elegância de há cerca de 45 anos atrás, desta vez via a Semana de Moda de Londres-2023.
Vestindo os trajes tradicionais africanos da Rainha Diambi, junto com sua colega Grace Haffler, um outro modelo clássico da moda com 30 anos de experiência de passarelas dos celebres anos 80’s, top-model brasileira foi das que vislumbrou com seu “glamour” diante dos presentes que assistira quase meia hora do desfile.
À margem do evento, Luiza Brunet deu uma entrevista onde contou o que a trouxe àquela Semana de Moda de Londres 2023 e ao Brasil Moda no Mundo/Fest.
Um dos motivos, a questão da violência doméstica, numa altura em que já existe no Consulado Brasileiro em Londres para as pessoas se deslocarem em caso de serem vítimas de violência doméstica.
Mas se a situação chegar ao ponto do abuso sexual, as mulheres ou homens vítimas devem primeiro dirigir-se à policia e ao hospital (para recolha de provas) e, a seguir, ao Consolado.
Já tem acontecido, entretanto, situações em que as vitimas se vinham apresentar queixas sobre as suas famílias e estas não queriam saber de nada.
Algumas dessas mulheres acabaram sendo mortas pelos seus atacantes, que são também seus abusadores. (Com edição de Manuel Matola)