E eles confinados e apertados continuam dentro da casinha. Pelas manhãs, ao acordar, é já hábito vê-los procurando pedaços dos seus corpos; isso porque pela falta de espaço na casinha, cada um deixa as partes do corpo onde parece existir um vazio. É comum nesta casinha encontrar os pés sobre a mesa, os braços no cabide do guarda-fato e o peito sobre as escadas. Ao acordar a primeira coisa que a mãe faz é vasculhar os pedaços dos filhos em todos cantos da casinha; completa-os um a um e surgem como esculturam nascendo do barro.
Quando chega a hora das aulas online, os três irmãozinhos são distribuídos pelos cantos da casa; o primeiro é encostado no frigorífico que serve de armazém de sapatos, o segundo estendido nas escadas como um passo esquecido e o terceiro sobre a tampa da pia imaginava uma carteira da escola. E todos acompanham as aulas. É verdade que as suas vozes, de quando em quando, chocam-se na casinha e os objectos que a mãe arruma baralham os seus cálculos e acrescentam sílabas nas palavras que aprendem a dividir. Mas mesmo assim estudam…
São três irmãozinhos que a mãe vê-os como pilares da grande casa do futuro que levantam nos livros. E eles têm muito espaço para aprender, mas não têm espaço onde aprender.
As escolas continuam fechadas e os três meninos vão dividindo o pouco espaço que ainda resta, o espaço que pertence ao pai que trabalha na Vila do Rei. É uma toca, um buraco onde vive gente, por isso é chamado de casa. (Deixemos de lado o aspecto de um cárcere de confinamento que esta toca tem). É uma casa feita de gente.
Os filhos estudam pelos computadores que inundam a casa toda, a mãe sobrepõe os objectos todos, cava com as mãos um espaço, dentro desse confinamento que não cabe na casinha, para os filhos divertirem-se. As aulas terminam, um dos filhos informa que não conseguiu participar das aulas porque o seu computador desligava-se constantemente, a mãe inventa uma solução para não encher a pequena casinha de preocupação: “amanhã vais usar o computador de um dos teus irmãos”. E o celular toca e quando atende-o ouve a voz do marido sempre apertada pela pressa: “como estão?”.
Moram numa casa pequena que se segura nas suas próprias paredes por não conseguir confinar tanta gente. Do nada, a casinha começa a aquecer, rastos de fumo empurraram-se no buraco que serve de janela, a mãe dos meninos pega no celular para chamar os bombeiros, mas descobre que é o fogão que se esqueceu de apagar quando preparava o almoço.
Ao entardecer os miúdos, um a um, são cuspidos pela pequena casa e surgem na rua como se saíssem de uma lâmpada de Aladim. Correm na rua porque o único parque que têm foi cadeado por fitas e ninguém pode lá entrar. Sobre a passadeira fitam os carros que vêm correndo e pouco se importam com o vermelho dos semáforos que lhes tira do campo. Estão confinados, mas anexam a rua à sua casa. Brincam na rua porque eles estão apertados e esquecem-se que moram numa casa pequena.(X)