Morte de ator negro reacende debate sobre racismo em Portugal

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Ator Bruno Candé ( 1980-2020) FOTO: Madalena Alfaia ©

Manuel Matola

A morte do ator Bruno Candé Marques, que foi baleado no sábado em Moscavide, concelho de Loures, voltou a reacender o debate sobre o racismo em Portugal, com a Amnistia Internacional a defender que “é preciso que haja uma educação forte e veemente para valores de direitos humanos”, enquanto figuras políticas e organizações anti-racista consideram ingénuo e perigoso continuar a fingir que o país não é racista.

“É preciso que haja uma educação forte e veemente para valores de direitos humanos, de multiculturalidade, de respeito entre as pessoas e de combate, pela positiva, a todas e quaisquer formas de discriminação que não fazem qualquer sentido”, defendeu o diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, falando à TSF sobre um problema que, diz, não se resolve apenas com uma mudança na lei.

Em declarações na TSF, a deputada municipal de Loures do Bloco de Esquerda Rita Sarrico concorda que mais do que mudar a lei é necessário “um debate amplo sobre o racismo em Portugal”.

“Continuar a olhar para o lado e fingir que [o racismo] não existe é ingénuo e torna-se perigoso, com discursos cada vez mais extremados (…) infelizmente ontem provou-se o quão perigoso isso é.”
Em comunicado, a associação SOS Racismo reclamou que a “justiça seja feita” contra um “crime com motivações de ódio racial”, tendo a família exigido “justiça célere e rigorosa” perante um crime que considerou “premeditado e racista”.

O jornal Diário de Notícias resumiu o caso que está a chocar Portugal: “Quatro tiros. Pouco depois das 13.00 de sábado (25 de julho), o ator Bruno Candé Marques, de 39 anos, estava sentando num banco na avenida de Moscavide, concelho de Loures mas já muito perto de Lisboa, com a sua cadela, Pepa, e um rádio, quando um homem apareceu com uma arma e disparou sobre ele quatro tiros. Bruno Candé caiu no chão, morto. A cadela fugiu, assustada. O atirador com cerca de 80 anos foi imobilizado por transeuntes que o impediram de fugir até à chegada das autoridades”.

A antiga secretária de Estado da igualdade e conselheira da igualdade do Alto Comissariado das Migrações, Elza Pais, disse, citada pela TSF que “Portugal não é um país racista”, o que existe são “núcleos racistas muito fortes”, pelo que defendeu que não é preciso fazer mexidas na lei, até porque “não é por aí que se combate a xenofobia”.

Mas é necessário “um debate amplo sobre o racismo em Portugal”, mais do que mudar a lei, disse em declarações à TSF a deputada municipal de Loures do Bloco de Esquerda Rita Sarrico.

“Continuar a olhar para o lado e fingir que [o racismo] não existe é ingénuo e torna-se perigoso, com discursos cada vez mais extremados (…) infelizmente ontem provou-se o quão perigoso isso é.”

O ator Bruno Candé Marques morreu após ter sido “baleado em várias zonas do corpo” por outro homem, com “cerca de 80 anos”, na avenida de Moscavide.

“Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o porquê. Poderá ter a ver com questões meramente passionais, dado que não existe qualquer ligação entre os próprios”, avançou a PSP no sábado à tarde à Lusa.

Numa texto publicado nas redes sociais, a socióloga Cristina Roldão resume a análise que fez à forma como o caso está a ser tratado nos órgãos de comunicação social portuguesa, “depois de percorrer na box os jornais da noite de ontem…” e concluiu que:

A) quando falam em “desacatos” e “desentendimentos entre”… estabelece-se um pressuposto de equivalência, uma simetria, entre agressor e vítima. Na verdade, é um princípio de suspeita sob os do costume. Um homem assassinou premeditadamente Bruno. Há 3 dias que perguntava por ele em Moscavide, perseguiu-o, dizendo que o ia matar. Não foi uma rixa em que ambas as partes se investiram.

B) quando se diz que “o octogenário não apresentou resistência” ou que o “idoso não estava bem”… no fundo, procuram-se atenuantes, torná-lo inimputável. Não só o agressor estava propositadamente armado, como o perseguiu dias antes, atirou à queima roupa sem que Bruno estivesse à espera, disparou todas as balas de que dispunha e tentou fugir após o acto.

C) quando apenas se diz que havia “ódio”, sem acrescentar mais… num passo de mágica o racial desaparece e reduz-se o caso a uma questão sentimental/emocional. O racismo, como o machismo, homo e transfobia matam. Não são apenas os “fígados” de sicrano. É ódio no sentido estrutural.

D) quando se referem a Bruno apenas como “jovem”, que estava todos os dias sentado na rua, no café, a ouvir a sua música, com a sua cadela… que imaginário é este? A que estereótipo o estão a colar? Seguimos assombrados pela imagem fabricada do jovem negro marginal? Bruno era um homem com quase 40 anos, com 3 filhos, actor em novelas na TV e em peças de teatro. Era, sobretudo, um humano, filho, irmão, pai e amigo.

De França, o ativista e jornalista senegalês Karfa Sira Diallo lembra o “assassinato” de um jovem cidadão português, pai de três filhos, “num país pioneiro do tráfico e da escravidão dos negros, mas cujo estado está ausente no dever de memória e transmissão dos ensinamentos de uma história colonial ainda não assumida”. (MM)

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