Manuel Matola
O ex-diretor de SEF-Lisboa António Sérgio Henriques vai mesmo ser julgado num segundo processo, depois da decisão hoje do Tribunal de enviar para um novo julgamento todos os arguidos indiciados na morte do ucraniano Ihor Homeniuk em 2020 nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto da capital portuguesa.
Na leitura da decisão instrutória, realizada no Tribunal Central de Instrução Criminal, a juíza Carina Realista Santos considerou que estavam “manifestamente indiciados” os factos imputados ao ex-diretor de Fronteiras do SEF, António Sérgio Henriques, e ao vigilante Manuel Correia – os dois arguidos a pedirem a abertura de instrução – no caso da morte do cidadão ucraniano, pelo que proferiu um despacho de pronúncia dos arguidos.
Na semana passada, os advogados de defesa dos cinco arguidos do segundo processo-crime relativo à morte do ucraniano Ihor Homeniuk alegaram não existir prova para levar os seus constituintes a julgamento e teceram críticas à acusação.
O Tribunal Central de Instrução Criminal iniciou na passada sexta-feira o debate instrutório para apurar o grau de culpa do ex-diretor do SEF na morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, em março de 2020, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto de Lisboa.
Foi o próprio António Sérgio Henriques, então responsável daquele órgão, quem solicitou um debate instrutório, que é um momento importante durante um processo legal. É a ocasião em que perante o Ministério Público, o acusado e a parte que se sente prejudicada têm a oportunidade de conversar com o juiz. Os intervenientes falam sobre as provas disponíveis e discutem se há matéria suficiente para levar o acusado a um julgamento ou não.
Nas suas alegações, a advogada Filipa Pinto realçou que o seu cliente “não é acusado de participar direta ou indiretamente na morte de Ihor Homeniuk, ao contrário do que acontece com todos restantes arguidos”, vincando, por outro lado, que o que está em causa não é saber se o ex-diretor de Fronteiras cumpriu com zelo e competência as suas funções, porque isso é assunto de natureza “disciplinar e funcional”.
A advogada de António Sérgio Henriques, então responsável do SEF em Lisboa, contestou ainda a tese da acusação de que o ex-diretor de Fronteiras “falseou o relatório interno feito pelos vigilantes”, contrapondo que foi o então responsável do SEF que constatou que o relatório estava incompleto, tendo mencionado que três inspetores do SEF (já acusados noutro processo) interagiram com Ihor Homeniuk no interior da sala onde esteve retido.
António Sérgio Henriques – afastado do cargo pelo Ministério da Administração Interna em março de 2020, após a morte de Ihor Homeniuk – responde por denegação de justiça e prevaricação.
Já os inspetores João Agostinho e Maria Cecília Vieira são acusados de homicídio negligente por omissão de auxílio, enquanto aos vigilantes Manuel Correia e Paulo Marcelo são imputados os crimes de sequestro e exercício ilícito de atividade de segurança privada.
O primeiro processo sobre a morte de Ihor Homeniuk resultou na condenação a nove anos de prisão dos inspetores do SEF Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada por ter resultado na morte da vítima.
Os três inspetores apresentaram-se em agosto na prisão de Évora para cumprir os quase seis anos que lhes restam, após terem estado desde 2020 em prisão domiciliária.
Segundo a acusação do MP no primeiro processo, Ihor Homeniuk morreu por asfixia lenta, após agressões a pontapé e com bastão perpetradas pelos inspetores Luís Silva, Duarte Laja e Bruno Sousa, que causaram ao cidadão ucraniano a fratura de oito costelas. Além disso, tê-lo-ão deixado algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, com dificuldade em respirar durante largo tempo, o que terá causado paragem cardiorrespiratória.
Por seu lado, Amândio Madaleno, advogado do segurança Manuel Correia, criticou o facto de o Ministério Público (MP) ter utilizado o seu constituinte como testemunha no primeiro processo para o acusar dois anos depois.
Amândio Madaleno considerou mesmo que o atraso do MP em deduzir acusação contra Manuel Correia ultrapassou os prazos legais, pelo que, ao fim de 18 meses, prescreveu o procedimento criminal contra o seu constituinte. Caso a juíza decida levar o seu cliente a julgamento, o advogado adiantou à Lusa que irá recorrer para os tribunais superiores.
Depois de Manuel Correia ter negado na instrução ter atado os pés ou mãos de Ihor Hoeniuuk com fita adesiva, uma versão que contraria a acusação, o seu advogado alegou que os seguranças/vigilantes foram os únicos que tentaram ajudar o passageiro ucraniano, ao libertarem-no das ligaduras que o amarravam a um colchão na sala dos médicos no Centro de Instalação Temporária do SEF no aeroporto de Lisboa.
O advogado da arguida e inspetora do SEF Maria Cecília Vieira (já reformada) considerou que a acusação contra a sua cliente por omissão de auxílio é “muito frágil”, observando que não se pode exigir que os inferiores hierárquicos zelem pelo comportamento dos superiores hierárquicos.
Também o advogado do segurança/vigilante Paulo Marcelo pediu a não pronúncia deste arguido, contestando a acusação, o mesmo sucedendo com a advogada do arguido e inspetor João Agostinho que sustentou que não resulta dos factos que tenha sido este arguido a dar instruções para algemar o cidadão ucraniano.
Antes, o MP defendeu a ida a julgamento de os todos arguidos deste segundo processo sobre a morte de Ihor Homeniuk, após considerar que “as diligências de instrução reforçam a tese da acusação”.
O advogado José Gaspar Schwalbach, que representa a família de Ihor Homeniuk, considerou que, cumprida a fase de instrução, “toda a prova vem consolidar ainda mais o que foi apurado em sede de inquérito”.
Este é um processo em que o Estado português foi condenado a pagar uma indemnização de 800 mil euros à família do malogrado e que, antes da guerra na Ucrânia em 2022, levou a uma conversa telefónica de uma hora entre o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa.
Um comunicado divulgado pela Presidência da República de Portugal na altura dava conta de um pedido especial do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, às autoridades portuguesa em relação ao caso: “Estamos confiantes de que a parte portuguesa irá garantir uma investigação completa e imparcial sobre as circunstâncias da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk”, disse Zelenskyy durante uma conversa com Marcelo Rebelo de Sousa. (MM e Lusa)