O dilema da morte na imigração

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Manuel Matola

Aos 37 anos de idade, o brasileiro Ângelo Henrique da Silva Oliveira faleceu inesperadamente este sábado em Portugal, onde vivia somente há três meses na companhia do seu namorado.

Desde há uma semana, a embaixada de Moçambique em Lisboa está à espera de algum contacto de familiares do imigrante moçambicano Domingos Jorge Mendes que faleceu aos 52 anos em Leiria onde morava sozinho há anos.

Hoje, a família de Ângelo Oliveira enfrenta um dilema: não sabe como arranjar 6.500 euros para transladar o corpo para a terra natal do brasileiro: a região de Olinda/Pernambuco, lamentou Fábio Oliveira, irmão do malogrado em contacto telefónico com o jornal É@GORA a quem adiantou a causa da morte: “Covid-19 e teve uma bactéria no pulmão”.

Nas redes sociais corre uma campanha para recolha de apoios para ajudar a família Oliveira no sentido de ter acesso ao corpo, a pagar a transladação ou então a comprar uma passagem aérea para que um dos familiares diretos se desloque a Portugal a fim de realizar as cerimónias fúnebres.

“Viemos através das nossas redes sociais pedir o apoio de vocês para que os familiares façam um enterro digno. E para isso o corpo e até mesmo informações são liberadas somente para parentes de 1º grau que se encontram no Brasil”, anuncia o grupo Brasileiros em Portugal no Instagram.

Antes, a família do falecido deverá saldar uma dívida contraída no hospital, mas Fábio Oliveira duvida que seja necessário pagar o valor porque, diz, “deve haver isenção [da taxa moderadora caso se comprove que] a causa da morte é Covid-19”, disse em declarações ao jornal É@GORA.

No entanto, a Secção Consular da Embaixada de Moçambique em Portugal continua sem uma solução à vista para dar seguimento ao caso do “cidadão [Domingos Jorge Mendes que] faleceu em Portugal [onde] morava sozinho, em Leiria”.

Por isso, a embaixada moçambicana continua a partilhar a mensagem que circula há dias nas redes sociais com a seguinte indicação.

“Procura-se a família do cidadão moçambicano Domingos Jorge Mendes, nascido a 12 de Outubro de 1970 em Maputo, filho de José dos Santos Mendes e Felismina António Mendes Rodrigues. Quem souber do paradeiro da família por favor contactar a Secção Consular da Embaixada de Moçambique em Portugal pelo nr +351213009000 ou pelo e-mail consular.lisboa@embamoc.gov.mz”, lê-se na mensagem.

O dilema da morte na imigração é antigo e recorrente, mas sempre inesperadamente violento para quem pretende (re)começar do zero fora do país de origem.

A atriz cabo-verdiana de origens humildes Vitalina Varela tem um episódio real da sua vida que levou a que seu nome fosse mundialmente reconhecido em 2019. O infortúnio da Vitalina Varela tem origem e um roteiro singulares que deram num filme mundialmente conhecido e galardoado com o seu nome oficial: Vitalina.

A atriz viveu a maior fatalidade quando ainda estava no seu país Natal – Cabo Verde -, mas foi em Portugal que a tragédia teve efeitos reais, após tomar conhecimento de toda a verdade que ocorreu e ter tido a noção exata do que representava a sucessão de coisas negativas que a imigração, afinal, lhe reservava.

Depois de mais de 25 anos à espera do seu bilhete de avião para ir ter com o marido, Joaquim, que emigrou para Portugal em busca de melhores condições de vida, Vitalina chegou “atrasada” ao país onde desejava viver ao lado do homem que escolheu como companheiro para o resto da vida. Em 2013, Joaquim teve um final trágico: acabou por morrer e sepultado na ausência da mulher que só chegou às terras lusas três dias depois do funeral, assim que teve conhecimento da fatídica notícia.

Nem por isso Vitalina esmoreceu. Apesar dos avisos sobre a dura realidade que é a imigração e de incertezas face ao medo natural que se instala nessas ocasiões, a cabo-verdiana arregaçou as mangas, demonstrou coragem e resiliência, e, por fim, decidiu permanecer em Portugal.

Sem uma preparação prévia sobre o verdadeiro risco que se corre num país desconhecido, Vitalina soube adaptar-se aos embates diários que a vida escolheu para si enquanto imigrante em Portugal, vencendo-os paulatinamente.

A situação de Vitalina Varela é semelhante a de milhares de imigrantes que partem em busca de um sonho e se deparam com inúmeras tragédias no país de acolhimento.

A finitude não se prepara. Não é um processo. É o fim. (MM)

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