O dilema dos migrantes sem data para o “take off”

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Em tempos de Covid-19, a ida ao aeroporto não é garantia de viagem

Precidónio Silvério e Manuel Matola

O moçambicano Arnaldo Abílio viu-se em desespero na semana em que o governo português decretou o encerramento do espaço aéreo devido à Covid-19, que o levou a antecipar a saída de Portugal. Hoje a incerteza do dia de retoma dos voos intercontinentais no território europeu está a condicionar o seu regresso a Lisboa para concluir os planos académicos.

No Japão, o estudante Lino Guirrungo está retido na cidade de Aichi, desde que viu seu voo cancelado, em finais de março, e não sabe quando regressará a Moçambique.

A partir de Lisboa, a médica Nzinga Cardoso reclama na página oficial da TAAG a falta de informação relativa à data de retoma dos trabalhos da companhia de bandeira angolana, quando o governo de Angola decretou que o prazo para a cerca sanitária na província de Luanda, que vigora desde a meia-noite do dia 26 de Maio de 2020, termina “às 23h59 do dia 9 de Junho de 2020”, esta terça-feira.

“Tínhamos o regresso para 3 de abril e estamos aqui sem dinheiro na terra que ninguém te dá”, escreve a angolana Nzinga Cardoso, que fez a remarcação do voo para o dia 02 junho, mas percebeu que “até ao momento não há definição” se vai viajar ou não, mesmo ligando “todos os dias para call center da TAAG”, que “só tem uma resposta: o governo angolano não autorizou voos internacionais”.

Uma resposta que a própria companhia de bandeira angolana confirma na sua página oficial do Facebook ao tentar amainar os ânimos dos clientes: “Também estamos ansiosos em voltar a realizar os nossos voos, mas por enquanto temos que aguardar que se levante as restrições por parte das autoridades”, diz a TAAG.

Guirrungo terminou o seu curso de licenciatura e já graduou. Logo depois de conferir o grau universitário, isto em março, estava tudo a postos para o retorno ao seu país (Moçambique), mas tal não mais aconteceu. Motivo: o voo em que seguiria “foi cancelado”, diz ao jornal É@GORA Lino Guirrungo, cujas esperanças de voltar à casa diminuíram.

“O meu voo foi cancelado em finais de março, mas sei que há moçambicanos que regressaram na mesma altura” que se seguiu o encerramento do aeroporto de Aichi, a cidade japonesa em que o imigrante se encontra a residir.

O estudante conta que, findo o período de cancelamento de voos e reabertura do aeroporto, em finais de abril, teve um itinerário para viajar, mas tal obrigaria a que ficasse, temporariamente, na Etiópia.

Aliás, sair de Japão, a estas alturas, ficou difícil, revela. Mas se há passageiros a saírem do país asiático para outras paragens de África, o mesmo não se pode dizer de quem pretende sair da capital etíope, Adis Abeba, para Maputo.

É que os passageiros se vêem forçados a permanecer por alguns dias naquele país localizado na África Oriental e só embarcam para Maputo (África Austral) quando os voos estiverem devidamente preenchidos, afirma.

“Há alguns voos ocorrendo, o problema é que os mesmos podem, de repente, ser cancelados por falta de passageiros. Por exemplo, os moçambicanos que regressaram em março tiveram que ficar retidos na Etiópia por alguns dias. Só depois é que conseguiram viajar para Maputo”, assegura o estudante.

Desde meados de maio, o governo do Japão decidiu levantar o estado de emergência em 39 das 47 prefeituras, mantendo-se a medida nas outras oito: Tóquio, Osaka, Quioto, Hyogo, Hokkaido, Chiba, Kanagawa e Saitama.

No entanto, o jornalista moçambicano Muhamud Matsinhe, atualmente a estudar MBA na Kwansei Gakuin University (KGU), no Japão, garante que “a comunidade moçambicana residente no Japão, a segunda maior economia asiática, não está desesperada, muito menos alarmada, como pode parecer para quem segue através dos vários noticiários internacionais retratando a vida dos concidadãos na diáspora, desde que o mundo está a braços com a pandemia do coronavírus, causador da Covid-19”.

Pelo menos, “este é o sentimento de alguns moçambicanos residentes na terceira maior economia do mundo” com quem Muhamud Matsinhe, atualmente a estudar MBA na Kwansei Gakuin University (KGU), conversou ao produzir uma reportagem para a Agência de Informação de Moçambique intitulada “Moçambicanos no Japão fortes e firmes auguram dias melhores”.

Citando dados da Embaixada de Moçambique no país nipónico, o jornalista diz que no Japão “residem cerca de 100 concidadãos, dos quais 90 por cento estudantes de vários cursos e graus universitários, virados às áreas de desenvolvimento”.

Arnaldo Abílio partiu não do Japão, mas de Lisboa com destino à capital moçambicana, numa viagem que apesar de ter sido boa, “antes de o voo partir”, houve uma comunicação pouco habitual da parte do chefe da tripulação:

“O comandante avisou que a viagem demoraria uma hora a mais do habitual, porque outros países não permitiam que fosse usado seu espaço aéreo. Inclusive alguns países não abririam as suas fronteiras em caso de emergência”, conta.

E, “efetivamente, usámos a via de Angola. Só voltamos a entrar para o continente a partir de Angola, Botswana até Moçambique”, refere o académico em entrevista ao jornal É@GORA.

As restrições nos voos trazem consigo outro obstáculo que dificulta a saída de Luís Guirrungo, especialmente no Japão: o custo dos bilhetes.

O imigrante moçambicano residente naquele país nipónico assegura que ficou mais caro pagar um voo nestes últimos dias.

Mas as coisas já não vão lá tão mal. Guirrungo está certo de que com a reabertura gradual de setores económicos e outros de vital importância, vai, brevemente, poder voltar à casa e pôr os seus planos em dia.

O estudante quer, chegado a Maputo, encaixar-se no mercado de trabalho, contribuir com os os seus aprendizados no desenvolvimento do país que o viu nascer.

Arnaldo Abílio projeta, entretanto, retormar as aulas de doutoramento em Portugal.

Em Maputo, o Consulado de Portugal em Moçambique aconselha viajantes a saber da sua situação junto das companhias aéreas. A TAP é a principal companhia de aviação que costumava ter voos regulares entre Maputo-Lisboa na época pré-covid.

Hoje, está titubeante em relação ao dia em que os aviões voltam a ligar motores, até porque o primeiro-ministro português, António Costa, lembrou há dias que a responsabilidade de decidir sobre fronteiras cabe ao Estado e não à companhia.

No passado dia 25 de maio, a TAP anunciou que retomaria voo semanal para Maputo e Luanda, em junho, mas 48 horas depois indicou que iria “ajustar” esse plano que, para o primeiro-ministro português, António Costa, “não tem credibilidade” sem a prévia informação sobre a estratégia de reabertura de fronteiras definida por Portugal.

Na mesma altura, o consulado de Portugal em Moçambique remetia os viajantes às companhias aéreas para obterem informações sobre os futuros voos.

Três dias depois da TAP anunciar recomeçar as viagens para Maputo, a 28 de maio o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciava, pela segunda vez, a prorrogação do estado de emergência vigente no país desde março do ano corrente. Oficialmente, os voos continuam suspensos também no espaço aéreo moçambicano.

O repatriamento dos cidadãos quer em Portugal, Angola ou Moçambique, em tempos de Covid-19, só é possível através dos voos especiais.

De Lisboa, até agora, já “foram repatriados 2121 cidadãos” brasileiros que, segundo o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), eram “maioritariamente turistas e residentes que, independentemente de seu estatuto migratório, encontravam-se em sérias condições de desvalimento”, em Portugal.

No entanto, pelo menos 20 pessoas ainda estão “a aguardar o voo de repatriamento” para Brasil, de acordo com a imigrante brasileira Vanessa Clementina de Paula, que integra o grupo que ficou em terra no último voo que partiu no passado dia 22 de maio.

Em Moçambique, a plataforma digital da embaixada de Portugal em Maputo cita as estimativas avançadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, num artigo em que o governante aponta para o retorno ao país de cerca de 2800 cidadãos, sobretudo portugueses que estavam no continente africano, na sua maioria, nos países falantes da língua portuguesa.

O chefe da diplomacia portuguesa reconheceu que tal não seria possível sem a colaboração das autoridades locais.

“Faço-o porque os voos, comerciais ou humanitários, só foram possíveis, mercê da excelente colaboração das autoridades locais. É ainda devida uma nota para a colaboração europeia”, diz Augusto Silva no seu artigo.

O titular da pasta da diplomacia prossegue: “O apoio ao regresso de concidadãos mobilizou toda nossa rede consular, que se manteve sempre ativa ao longo do período mais crítico da pandemia”.

Entretanto, em Moçambique, a suspensão de voos continua a forçar dezenas de viajantes, entre moçambicanos e portugueses com destino a Portugal, a continuar retidos. Alguns tinham reservas feitas na companhia aérea TAP, outros iriam embarcar através da Ethiophian Airlines.

Hoje, a transportadora Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) anunciou o adiamento do regresso da companhia ao espaço europeu, via Lisboa, para uma data a anunciar, devido aos impactos da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

“O impacto da Covid-19 nas economias e consequentemente no tráfego nesta rota põe em questão os dados com que trabalhamos no passado e que serviram de base para conceção da operação”, lê-se num comunicado hoje distribuído.

Primeiramente, o regresso da companhia ao espaço europeu estava previsto para 31 de março, mas foi adiado para 02 de junho e agora sofre mais um adiamento.

“Assim que as condições forem comunicadas, a LAM retomará o projeto da ligação aérea entre Maputo e Lisboa”, frisou a companhia, acrescentando que “está ciente da importância e urgência do restabelecimento desta rota que torna Moçambique e Portugal mais próximos”.

Na sua última comunicação à nação, chefe de estado moçambicano, Filipe Nyusi, apontou para uma possibilidade de levantamento de medidas de confinamento, entre as quais a reabertura de fronteiras aéreas, mas deixou também claro que tudo dependeria da evolução ou não da curva de contaminação, também condicionada ao cumprimento das medidas de contenção.

Mas, a diretora de Saúde Pública, Rosa Marlene, anunciou hoje que, nas últimas 24 horas, Moçambique – que contabiliza dois óbitos de Covid-19 – registou mais 20 casos positivos da doença, elevando o total de infetados pelo novo coronavírus de 433 para 453.

“Os novos casos são todos de nacionalidade moçambicana”, disse Rosa Marlene.

À semelhança dos moçambicanos Abílio e Luís, e da angolana Nzinga, são vários os imigrantes do espaço lusófono e não só que continuam sem saber a data exata em que o próximo avião fará o “take off”: a descolagem perfeita que permitirá milhares de pessoas recomeçarem suas vidas nos destinos escolhidos no pós-Covid. (PS e MM)

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