O jornalista e jurista são-tomense Afonso convidou a apresentadora de televisão Neusa Sousa e a ativista dos direitos das mulheres e engajamento participativo das jovens Silvania Barros, e o trio criou uma plataforma para trabalhar com e para os jovens imigrantes são-tomenses em Portugal. Em entrevista ao jornal É@GORA, o mentor da ideia explica as razões de se desenvolver uma nova estrutura de defesa da juventude são-tomense na diáspora, um projeto singular que pretende trabalhar à margem dos canais oficiais do Estado.
Que iniciativa é essa?
A iniciativa foi minha. Juntei mais duas jovens – a Neusa Sousa e a Silvania Barros. O propósito principal é unir os jovens são-tomenses aqui em Portugal. Nós constatamos que cada vez mais a comunidade de jovens cresce, mas cada um está ao seu lado a fazer as suas coisas, não há momento de diálogo. Então nesse primeiro encontro o primeiro propósito era esse: juntarmo-nos e refletirmos sobre a situação dos jovens são-tomenses aqui em Portugal. Ao mesmo ver como é que estando aqui os jovens podem continuar a contribuir para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe.
Quais são os desafios dos jovens de São Tomé e Príncipe na diáspora?
Acho que são iguais a de todos os jovens africanos imigrantes: a documentação, tendo em conta que muitos chegam com visto turístico ou de estudante. E, depois, como alguns têm desafios de como pagar as propinas, deixam a escola e vão trabalhar. Os que têm visto turístico ficam igualmente um certo tempo ilegal e têm a burocracia depois para se legalizar, um dos principais entraves.
Decorrente disso, há questões de trabalhos precários. Porque não tem documentos tem que sujeitar a mil e umas coisas embora não tão bem remunerado, ou não à altura das exigências que têm, pelo que trabalham sem contrato, sem descontos. E mais, além desses desafios, há falta de recursos financeiros. A questão da renda e moradia também é um dos grandes desafios que vimos. Alguns passando algum tempo podem ter problema com a família, que, às vezes, acabam por os colocar fora de casa.
Como é que pensam fazer chegar essas preocupações ao governo são-tomense?
Uma das conclusões a que nós chegamos é que a nossa missão, o nosso trabalho não passará essencialmente pelo governo. Temos um foco que é trabalhar de jovem, com jovem para jovem acima de tudo. As conclusões a que nós chegamos foi procurar saber o que é que nós podemos fazer além do governo.
É possível encontrar respostas sem a participação do governo?
É possível em relação a muitas coisas. Por exemplo, durante esse encontro, nós tínhamos um jovem, um brilhante advogado são-tomense aqui em Portugal. Na altura constatamos que uma jovem partilhou a sua situação. Ela está a trabalhar, mas a fazer um trabalho precário, sem contrato que perante isso não consegue se legalizar. O jovem advogado imediatamente colocou-se à disposição para auxiliar aquela jovem a tratar da documentação junto do SEF. Portanto, é um jovem a tratar (do problema) de outro jovem. Neste ato, por exemplo, não precisa do governo. E quem diz isso diz muitas outras coisas. Constatamos que os jovens – a maioria – não têm informação sobre para onde recorrer e essa é a base de muitos problemas em instituições financeiras, de imigração e fronteira, SEF. Eles não sabem como chegar lá. Só por isso sujeitam-se a muitas coisas. Então, nós os jovens podemos ajudar os outros jovens. Obviamente que nós não descartamos a responsabilidade e importância que o governo e o Estado são-tomense têm nessa matéria. Por isso que no final a equipa organizadora ficou por redigir um resumo das principais conclusões desse encontro que, posteriormente, será entrega à embaixada são-tomense em Portugal e enviada também ao Ministério da Juventude e outros organismos estatais em São Tomé e Príncipe para tomarem as devidas medidas e para saberem quais são as linhas orientadoras para o futuro.
Essa vossa plataforma não irá conflituar com as associações que já existem, nomeadamente, a de estudantes, se é que existe?
Para já não somos nenhuma organização formal. Não somos uma associação. Este foi um encontro informal promovido por um grupo de jovens. Futuramente quem sabe, até porque foi uma das ideias propostas durante o encontro, formalizarmos enquanto uma associação, um fórum uma estrutura que realmente faz sentido. Essa hipótese não está totalmente fora de questão, também estamos a ponderar em que medida não estaríamos a entrar em conflito de interesse com outras organizações já existentes. Mas o que sabemos até agora, caso quiséssemos formalizar, não estaríamos a conflituar com nenhuma dessas organizações, na medida em que não existe em Portugal uma organização que represente jovens são-tomenses. Há associações de estudantes (por exemplo) do Porto, de Coimbra, Bragança, que são organizações locais, mas fala-se apenas de estudantes. Mas o propósito é futuramente, quiçá, organizarmos enquanto uma estrutura que represente todos os jovens são-tomenses em Portugal. Jovens estudantes, trabalhadores, desempregados, jovens que estão em situação legal ou ilegal, todos aqueles que estão na faixa etária da juventude poderão vir a ter uma estrutura que os possa representar, falar e expressar em nome dos jovens são-tomenses.
Ao falar de jovens entre os 18 e 35 não estão a ser restritivos e excludentes?
Para já reforço que ainda não temos nenhuma estrutura formalizada. Aquela restrição de idade era o nosso foco, o nosso público-alvo para aquele encontro. Possivelmente sim. Não sabemos se viermos nos organizar enquanto uma associação se poderá ser uma associação para jovens entre os 18 e 35 anos. E explico que não seria nada excludente. Existe várias associações são-tomenses aqui em Portugal e todas elas têm público generalista, aberta para todos os público-alvo: jovens, adultos e crianças, se calhar. Ou seja, tem como público-alvo o são-tomense. Por que não ter uma estrutura que represente jovens? Não há mal nenhum, até estatuariamente, a nível legal, para se constituir uma organização é necessário definir qual é o seu caráter: se é uma associação juvenil, ambiental, etc. Então, nessa medida, o nosso propósito, se viermos a ser uma estrutura formalizada será inicialmente de jovens para o próprio jovem, o que não nos impedirá de prestarmos auxílio para outras faixas etárias, mas o público-alvo será sempre jovem. É assim que estamos a começar e quem sabem, futuramente, é assim que iremos continuar.
Mas a diáspora são-tomense que vocês pretendem atingir é só Portugal ou pretendem estender para jovens que estejam noutros espaços do Ocidente?
Não discutimos a fundo essa ideia, mas, futuramente, quem sabem iremos discutir com os participantes se viermos a organizar enquanto estrutura como será o nosso método de atuação: se irá restringir-se só a Portugal ou não. Mas para já somos um grupo e vamos ver futuramente como nos vamos organizar. Se organizarmos serão os membros a decidir que tipo de organização é que nós queremos. Para já o propósito é chegar aos jovens são-tomenses e despertar para necessidade de união da malta que está, sobretudo, aqui em Portugal nesta primeira fase.
Estava previsto que o embaixador estivesse no encontro…
Estava previsto, mas o embaixador não foi. A informação que tivemos foi a de que ele possivelmente terá viajado para São Tomé e Príncipe, por isso não pôde estar presente.
A eventualidade de um líder juvenil cá em Portugal, poder ser um chefe de Governo em São Tomé e Príncipe não é uma possibilidade para vocês se aproximarem do governo uma vez que ele conhece bem a realidade da juventude na diáspora?
Está a falar de Filipe Nascimento, certamente.
Sim, falo de Filipe Nascimento…
Bem, para já Filipe Nascimento possivelmente será chefe de Governo Regional e não do Governo central de São Tomé e Príncipe. Como disse, isso foi um dos pontos que foi debatido, mas ficou e foi unânime que nós não dependeremos de governo, partido algum, ou instituição alguma. O nosso foco é despertar realmente a consciência dos jovens, até porque cada um de nós pode fazer a diferença. E a diferença não necessita essencialmente do apoio estatal, governamental, institucional. A diferença pode começar em nós simplesmente com o nosso companheiro, compatriota aqui em Portugal. Para já, nós não estamos com foco em nenhum tipo de instituição.
Qual é o universo de jovens que estão cá?
Não faço ideia. É algo que nós não trabalhamos, mas será um dos pontos que o grupo vai começar a estruturar ainda que informalmente. Essa é a questão: nós não sabemos de forma oficial quantos jovens são-tomenses estão em Portugal. Então, uma das missões que nós vamos chamar para nós é sinalizar esses jovens para saber quantos somos, aonde estamos, o que fazemos e o que podíamos fazer. Isso vai ser uma mais-valia, porque nós vamos nos colocar à disposição das instituições estatais. Nós não vamos esperar dela, vamos estar disponível para ela para demonstrar que nós temos jovens nessas áreas e eles estão disponíveis. E caso o Estado, governo, ou embaixada precise e queira a colaboração desses jovens nós estamos disponíveis. Mas nós não vamos dizer: eu sei fazer isso e vamos esperar pelo governo. A nossa postura será diferente, para quando as instituições precisarem nós darmos a nossa colaboração.
E como pensam estabelecer esse contato: vai ser a partir das redes sociais ou há outros mecanismos?
Por exemplo, para esse primeiro encontro, a comunicação foi feita através das redes sociais. Mas nós são-tomenses temos uma expressão popular que é: Somos Todos Primos, o que quer dizer que nos conhecemos a todos. Portanto, se um tiver conhecimento e for necessário que a informação passe facilmente, essa informação vai chegar a todos. Nós vamos aos bairros, aos distritos de Portugal. Futuramente, 2020, poderá ser um ano de viragem para aquilo que é a postura de jovens são-tomenses em Portugal. Pelo menos nós os da organização estamos engajados nisso. E o ´feedback` que tivemos deste primeiro encontro, que apesar de não ter estado muitos jovens – tivemos menos de meia centena -, mas os cerca de 15, 20 jovens que lá estiveram falaram por mil ou duas mil que (eventualmente) residem em Portugal. Portanto, é com essa energia que vamos começar o 2020 para marcar uma nova era da juventude são-tomense em Portugal. (MM)