Ordem dos Advogados portugueses e brasileiros rompem acordo de reciprocidade

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Manuel Matola

A Ordem dos Advogados portugueses e a sua congénere do Brasil acabam de romper o acordo de reciprocidade que permite que os advogados brasileiros possam fazer inscrição na Ordem dos Advogados Portugueses sem necessidade de realização de estágio ou obrigados a prestar prova de agregação.

A decisão da Ordem dos Advogados portugueses de “cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 5 de julho de 2023”
vai impedir que os advogados brasileiros possam trabalhar em Portugal, incluindo muitos que atuam na área da imigração que podem ser impedidos de se inscrever na Ordem dos Advogados portugueses.

As duas ordens profissionais estão de costas voltadas e acusam-se mutuamente.

A instituição portuguesa justifica a decisão com o facto de “Advogados(as) brasileiros(as)” terem “sérias e notórias dificuldades na adaptação ao regime jurídico português” e “à legislação substantiva e processual”.

A Ordem dos Advogados brasileiros faz uma leitura diferente deste entendimento e considera que se trata de “discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros”.

E lembra à Ordem dos Advogados portugueses que “a mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações”.

Numa nota emitida segunda-feira, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados portugueses (CGOA) diz que as duas instituições profissionais têm vindo a manter “um diálogo aberto” com vista a introduzir alterações ao Acordo de Reciprocidade que “existe há muito” entre as duas Ordens.

E explica porquê: “Embora possa ter existido uma matriz de base comum aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, constata-se que em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil, até por força da aplicabilidade e transposição para o direito interno português do direito da União Europeia, o que, inevitavelmente, tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes”.

A Ordem dos Advogados brasileiros confirma as negociações.

“Estava em curso um processo de diálogo iniciado havia vários meses com o objetivo de aperfeiçoar o convênio, uma vez que a realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países evoluiu desde a assinatura do acordo. A OAB, durante toda a negociação, se opôs a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros. A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações”, diz o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti.

Entretanto, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Portugal refere que “as normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito num e noutro ordenamento jurídico já não são sequer equiparáveis”, pelo que há necessidade de mudar algo, sobretudo tendo em conta que há quem “não dispõe da necessária formação académica e profissional” no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.

“Verifica-se ainda que, no quadro atualmente vigente, existem sérias e notórias dificuldades na adaptação dos Advogados(as) brasileiros(as) ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e bem assim às plataformas jurídicas em uso corrente, o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos(as) cidadãos(ãs) portugueses(as) e, de forma recíproca os(as) dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as)”, lê-se na nota divulgada pelo o Conselho Geral de Ordem dos Advogado de Portugal, que acrescenta.

“Cumpre ainda salientar que foram recentemente transmitidas à OAP inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como Advogado(a) nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo”.

Em comunicado hoje divulgado, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, diz-se “surpreendido” com a decisão da Ordem dos Advogados portugueses, mas, acredita, “o diálogo respeitoso, fundamentado na igualdade entre as nações, é o caminho para o equacionamento de qualquer discordância momentânea”.

Segundo o Conselho Geral da Ordem dos Advogados portugueses, as conversações entre as instituições decorreram entre o mês fevereiro e o mês de junho de 2023.

“Porém, segundo informação que nos foi remetida através de correio eletrónico ao final do passado dia 28 de junho de 2023, o CFOAB afirmou não dispor de condições para poder proceder às alterações do atual regime de reciprocidade (e que mereceram o acordo de ambas as instituições no passado dia 23 de maio de 2023), nem no imediato, nem dentro de um prazo considerado por este CGOA como razoável”.

Apesar de não fechar as portas para o diálogo, a Ordem dos Advogados portugueses anuncia que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, reunido em sessão plenária do dia 3 de julho de 2023, deliberou “por unanimidade dos presentes” fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor.

“Assim, sem embargo do espírito de cooperação e amizade que pontifica as relações entre as duas ordens profissionais, perante a gravidade das questões acima identificadas e amplamente conhecidas, bem como a especial repercussão social que delas decorre, designadamente, no que se refere à garantia de uma efetiva proteção dos interesses legítimos dos(as) cidadãos(ãs) de ambos os países, deliberou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, reunido em sessão plenária do dia 3 de julho de 2023, por unanimidade dos presentes, fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 5 de julho de 2023, na medida em que apenas tal cessação se apresenta como suscetível de colmatar as preocupações conjuntamente identificadas e acima elencadas, mais tendo sido deliberado que se promova a adaptação da respetiva regulamentação interna referente à inscrição de Advogados, em conformidade com o ora decidido, salvaguardando-se, contudo, os processos de inscrição que se encontrem em curso ao abrigo do regime de reciprocidade”.

Em resposta, a Ordem dos Advogados brasileiros afirma: “A cooperação e amizade entre Brasil e Portugal, inclusive na advocacia, têm resultado em inúmeros benefícios para ambos os países e, sobretudo, para suas cidadãs e cidadãos. A OAB acredita que o diálogo respeitoso, fundamentado na igualdade entre as nações, é o caminho para o equacionamento de qualquer discordância momentânea. A prioridade da OAB é a defesa e o fortalecimento das prerrogativas profissionais, não importa onde tenha que atuar para assegurá-las”.

E conclui: “Tendo em visto o anúncio unilateral, a OAB tomará todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa está se retirando. Paralelamente, a Ordem dos Advogados do Brasil buscará a retomada do diálogo, respeitando a autonomia da Ordem dos Advogados Portugueses e compreendendo que a entidade europeia enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais”.

Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), os cidadãos brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal, representando aproximadamente 30% dos quase 800 mil estrangeiros. Parte considerável recorre a advogados brasileiros, cujo número está em crescendo.(MM)

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