Os desiludidos com Portugal que se refazem num Brasil de quem deseja migrar para Europa

0
3553
FOTO: Getty Images

Elisabeth Almeida, Correspondente em São Paulo

O brasileiro André Soncin teve um plano bem delineado para vencer em Portugal, mas o seu processo migratório faliu quando a Covid-19 o forçou a regressar apenas com a roupa do corpo ao Brasil, onde hoje é sócio numa empresa de reciclagem em São Paulo.

O repatriamento fez parte de sonhos de dezenas de brasileiros, mas quando a pandemia do novo coronavírus assolou o mundo, em 2020, muitos migrantes se viram sem condições para poder trabalhar, por conta do isolamento social ou por terem sido lançados ao desemprego. Sem salário, muitos não tinham condições de continuar se sustentando em Portugal e retornaram ao país de origem.

Diante disso, o Governo brasileiro fretou sete voos para o repatriamento de migrantes e turistas. Cerca de um ano após o retorno à terra natal, os repatriados contam ao Jornal É@GORA como foi a experiência nas terras lusas e como vivem hoje no Brasil, sua terra natal.

Ainda que o Brasil também esteja a sofrer imenso com a crise financeira e o altíssimo número de mortos de covid-19, André Soncin e Ilker Luiz, dois dos rostos mais visíveis dos principais grupos de repatriados, contam que mesmo no meio ao caos brasileiro, o sacrifício de passar dias “acampados” em frente ao Aeroporto de Lisboa valeu a pena; mas, dizem, em solo tupiniquim se veem hoje com novas oportunidades diante de acolhimento familiar.

André Soncin, um dos grandes nomes do movimento de brasileiros que lutou noite e dia pelo repatriamento em Portugal, onde chegou a trabalhar na lavoura e também como vendedor numa mercearia, é atualmente sócio de uma empresa de reciclagem em São Paulo, onde agora vive.

Segundo Soncin, o seu destino mudou drasticamente no último ano.

“A minha vida deu um giro de 180º. Eu me separei, mudei de casa, entrei em sociedade na empresa e está dando tudo muito certo e vejo a reciclagem como uma grande oportunidade, pois tudo é reaproveitado e isso rende muito dinheiro, principalmente em grande escala”, explicou Soncin.

A experiência em Portugal “foi válida para dar valor ao que eu sempre tive aqui” no Brasil, diz ao Jornal É@GORA, comparando a decisão de migrar de muitos brasileiros com o seu caso pessoal.

“Cada um tem uma vivência, mas eu, André, em Portugal, não tinha profissão, era apenas um imigrante e ponto”, refere, contando o seu percursos no território português.

“Trabalhei nos mais diferentes comércios e também na lavoura. Aqui temos a péssima mania de achar melhor o que vem de fora e achar que a vida em outros países é mais fácil e melhor”, compara.

Junto a dezenas de famílias que se desiludiram com a vida na Europa, André, lembra os dias que passou acampado do lado de fora do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, até ao dia em que retornou ao Brasil apenas coma roupa no corpo, no primeiro voo de repatriamento, um caso que chamou atenção da imprensa internacional.

“Acredito que isso depende muito do estilo de vida que a pessoa tem no Brasil, se vive em miséria; não teve estudos ou grandes oportunidades. Estas pessoas tendem a amar a vida fora do país, pois têm um poder de compra maior, mas ficam longe da família, muitas vezes são humilhadas e pagam uma fortuna em aluguel”, conclui.

Volvido mais de um ano e meio, Portugal reabriu a totalidade das suas fronteiras incluindo para os cidadãos brasileiros, o que reacende o sonho de quem há anos faz planos de iniciar o seu processo migratório numa Europa que, entretanto, se fecha diante do aumento de fluxo migratório, causado também pela entrada de refugiados do Afeganistão.

Ilker Luiz é de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e também ficou conhecido por ser um dos “acampados do Aeroporto de Lisboa” e hoje vive em sua cidade natal, onde trabalha como secretário num estabelecimento onde se vendem peças de mármore.

O então imigrante diz que se vê com mais oportunidades no Brasil, onde é graduado em Direito e começou a fazer o curso de Filosofia.

“Sou formado em Direito e agora comecei os estudos no curso de Filosofia, mas mais do que isso, estou com saúde e entre os meus”, resume Ilker sobre a sua nova vida no Brasil, que compara com o período anterior e posterior à mudança operada em Portugal por conta de um vírus que influenciou todo o seu processo migratório.

“Toda esta situação de pandemia e repatriamento me fizeram ver a minha vida com outros olhos, como se tudo fosse uma nova oportunidade”, diz o jurista, que não descarta a possibilidade de futuramente voltar a viver em terras lusitanas.

“Eu voltaria se estivesse estabilizada a crise no mundo, voltaria com uma nova visão e com mais planejamento, para não ter que passar pelas mesmas coisas. Aprendi com toda esta situação e com certeza sai mais forte” concluiu.
No entanto, o futuro filósofo aponta as vantagens do retorno à terra natal.

“Depois que voltei ao meu país, consegui um trabalho, mas logo fiquei desempregado. No entanto, já consegui outro trabalho numa marmoraria. Aqui vejo mais vantagens, pois é o meu país, onde a minha família está e me sinto também mais acolhido. Aqui tenho minha casa e não pago aluguel, algo que em Lisboa corresponde a uma grande parte do meu ordenado”, analisa Ilker.

Após a eclosão da pandemia, um grupo de 25 imigrantes brasileiros, incluindo crianças e idosos, passou vários dias ‘acampados’ na porta do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, à espera de um posicionamento dos governos do Brasil e também de Portugal para os levar de volta ao país. Diariamente viam a situação de vida complicar diante da crise mundial causada pela Covid-19.

Parte dos repatriados brasileiros. FOTO: ABP
Quando o caso ganhou dimensão na imprensa internacional, o número de brasileiros aumentou drasticamente num espaço de dias e, na altura, foram realizados mais de sete voos de repatriamento, incluindo de centenas de turistas surpreendidos com o encerramento de fronteiras europeias, pelo que também tiveram que recorrer às aeronaves cedidas pelo governo do Brasil.

“Nós estamos aqui porque não temos mais condição; não temos dinheiro; não temos mais casa e nem comida, estamos fazendo ‘vaquinhas’ para comer e as pessoas que estão aqui estão se ajudando pois não temos mais para onde ir”, relatou André Soncin o ano passado ao jornal É@GORA quando, sem condições financeiras de se manter em Portugal, decidiu se deslocar ao aeroporto após uma convocatória cuja autoria até hoje nunca foi assumida pelas autoridades diplomáticas brasileiras em Lisboa.

“ Nós não somos irresponsáveis por termos vindo aqui sem ter sido chamado”, garantiu na ocasião, após mais de 24 hora instalado na parte frontal do aeroporto da capital portuguesa, esperando por um voo de repatriamento, após o primeiro ter deixado quase todo mundo para trás.

Em declarações ao jornal É@GORA, a terapeuta Maria Clara de Almeida considera de suma importância que os repatriados tirem ilações da experiência migratória.

“Todo mundo passa por momentos de desespero e a pandemia veio, de certa forma, para dizer ao mundo que ninguém está 100% [seguro], que tudo é cíclico e requer estabilidade emocional para se manter nos altos e baixos da vida”, diz a terapeuta.

Para Maria Clara de Almeida, “experiências como esta servem para aprendizado, para dar mais atenção ao planejamento. Hoje vejo muitos jovens indo morar em outro país e [dizer]‘lá eu vejo o que dá’. Não é bem assim que deve ser”, afirma.

“Precisamos ter em mente que mesmo tendo planejamento e acompanhamento, os imprevistos acontecem. Imagine então para quem não tem, quem [prima, por exemplo, pela lógica do]‘deixa a vida me levar’. É preciso ter parcimónia e calcular bem cada passo e decisão. Já no caso dos repatriados, é muito bom ver que seguiram suas vidas e que aos poucos estão refazendo sua cidadania no Brasil, trabalhando, Tendo seu próprio sustento e podendo desfrutar da presença de amigos e familiares. Não devem ficar os traumas, apenas os ensinamentos”, concluiu Maria Clara. (EA)

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here