
Manuel Matola
A iraniana Mahoor Kaffashian tornou-se refugiada quatro anos depois de ter vivido na Ucrânia, saindo muito cedo do Irão, um país onde há forte opressão às mulheres imposta pela teocracia de Teerão. Mas na véspera da invasão russa ao território ucraniano, em 2022, a futura médica dentista veio estudar para Portugal com estatuto de refugiada deixando para trás uma guerra sem fim a vista. Hoje, a jovem de 25 anos contou parte da história do seu percurso migratório ao Papa Francisco, que demonstrou comoção com o caso.
“Acompanhei emocionado o testemunho de Mahoor, quando lembrou o que significa viver com o ‘sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, (…) de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, (…) cansada, exausta e abatida pela dor e pelas ‘perdas'”, disse o Papa Francisco
num encontrou com jovens estudantes da Universidade Católica, instituição responsável pela formação de Mahoor e de mais três jovens de outros pólos daquele estabelecimento de ensino: Tomás, Mariana e Beatriz.
Abordando os mais variados temas da atualidade que afligem a população jovem um pouco por todo o mundo, o quarteto apresentou o seu testemunho ao Papa que, entretanto, os exortou a sempre “procurarem e arriscarem” em busca de uma “nova coreografia que coloque no centro a pessoa humana”.
O relato feito pela refugiada Mahoor reflete uma parte da história global de 108,4 milhões de pessoas em todo mundo que foram forçadas a deixar suas casas, pelo que o Papa Francisco comentou a situação remetendo os presentes na cerimónia para um trecho da Bíblia Sagrada.
“Não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus no capítulo 25 de Mateus: ‘era estrangeiro e recolhestes-me’ (25, 35)”, disse o Santo Padre.
Há quatro anos, Mahoor também se viu nessa condição de refugiada ao ser forçada abandonar o seu país de origem, Irão, não por causa de uma guerra real como a que evitou testemunhar de perto na Ucrânia onde morou antes de vir para Portugal como bolseira do Fundo de Acção Social ‘Papa Francisco’, da Universidade Católica Portuguesa,
A decisão da futura médica dentista de deixar o seu país de origem deveu-se a vontade de perseguir um sonho pessoal fora de um país com histórico de sistemáticas violações dos direitos humanos das mulheres iranianas, assente na jurisprudência do Estado religioso iraniano, segundo relatou anteriormente à agência Ecclesia.
“Sempre tive problemas de inserção no Irão, talvez também pela minha família que me ajudava a ser quem eu sou e no Irão é difícil seres quem tu és. Foi a decisão familiar mais difícil que tomamos em toda a nossa vida, mas para ter o futuro que eu queria, tinha de sair”, recorda.
O processo migratório da jovem Mahoor, que um dia sonhou em estudar aviação, levou-a até Ucrânia onde optou por fazer o curso de Medicina Dentária, tendo completado o 5º ano de estudos.
Desde que deixou Kiev, capital da Ucrânia, Mahoor passou a fronteira com a Polónia, onde ficou dez dias, rumando para Varsóvia e, de seguida, para a Alemanha onde esteve em Berlim e Munique, com muitas noites dormidas na rua, com um cobertor da Cruz Vermelha “muito brilhante” como aconchego, algumas noites numa igreja, onde “durante cinco dias só comeu Nutella”: “Hoje odeio Nutella”, relata a jovem à agência Ecclesia.
No encontro com jovens estudantes da Universidade Católica, está quinta-feira, o Papa Francisco comentou a ação dos que a acolheram em Kiev e em Lisboa ao longo do processo migratório de Mahoor, que a 22 de fevereiro de 2022 decidiu largar tudo na Ucrânia e passar a ser refugiada de guerra em Portugal, onde ainda se esbarra com as burocracias do #SEF.
“Disse-nos [Mahoor] que reencontrou a esperança porque alguém acreditou no impacto transformador da cultura do encontro. Sempre que alguém pratica um gesto de hospitalidade, desencadeia uma transformação”, afirmou o líder da Igreja Católica.
Antes da estudante iraniana, o Papa Francisco ouviu primeiro o testemunho feito por Tomás Virtuoso, de 29 anos, Licenciado e mestre em Economia pela Católica Lisbon School of Business and Economics da Universidade Católica Portuguesa, que na sua intervenção realçou que “não é possível [haver] uma verdadeira ecologia integral sem Deus, [pelo] que não pode haver futuro num mundo sem Deus”.
O segundo testemunho foi de Mariana Craveiro, de 21 anos, licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa do Porto, que contou como a sua experiência universitária ajudou “a perceber a urgência de manter a prioridade dada à pessoa humana”, e assim pôde “ajudar a servir refeições, todas as semanas, às pessoas sem abrigo e mais necessitadas, no centro da cidade do Porto”.
O terceiro testemunho foi feito por Beatriz Ataíde, de 27 anos, estudante de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa de Braga, que confessou ter sido “chamada por Deus a ajudar erguer os corações feridos pelo pecado”.
Em jeito de resposta ao quarteto, o Papa Francisco falou sobre um hábito da tradição medieval que conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando “Ultrei” ao que este respondia “et Suseia”.
“Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: «Vai mais longe e mais alto!» ‘Coragem, força, anda para diante!» Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração'”, concluiu o Santo Pontífice. (MM)
Artigo atualizado às 12:05 do dia 05.08.2023