Manuel Matola
O Parlamento português vai debater esta quarta-feira a Lei da Nacionalidade e são várias as vozes que consideram que em caso de aprovação do documento far-se-á reparo de “uma injustiça com quase 40 anos”, uma vez que o futuro diploma irá alterar o espetro da imigração em Portugal no concernente à situação legal dos afrodescendentes.
A Lei da Nacionalidade deverá conferir a cidadania portuguesa a todas as pessoas nascidas em solo português, independentemente da nacionalidade de origem dos progenitores e da sua condição legal em Portugal.
Há dois anos, a Consciência Negra, associação de defesa dos direitos das minorias étnicos-raciais, especialmente, de origem africana nascidas em Portugal, entregou uma petição com mais de 8500 assinaturas para levar o tema a debate na Assembleia da República.
E em nota agora divulgada na sua página oficial, a agremiação lembra que “a força das mobilizações que tem exigido esta mudança obriga as e os deputados a pronunciarem-se a favor ou contra uma medida que repara uma injustiça com quase 40 anos”.
Por isso, a associação Consciência Negra anuncia que, nesta quarta-feira, os seus membros estarão “presentes nas galerias do Parlamento” para testemunhar a discussão de um tema que se arrasta há anos.
São quatro os projetos de lei propostos por igual número de formações políticas – dois dos quais têm pela primeira vez no atual contexto da democracia portuguesa deputadas de origem africana: Beatriz Dias (Bloco de Esquerda) e Joacine Katar Moreira, deputada única do partido Livre.
A terceira deputada negra que também irá analisar o documento no parlamento português é Romualda Fernandes, que integra a bancada parlamentar socialista, mas o seu partido não apresentou nenhum projeto nessa matéria, apesar de constar do programa eleitoral do PS.
A futura Lei da Nacionalidade que, há anos, tem vindo a criar fortes dissensões na sociedade portuguesa, poderá ser um dos mais impactantes diplomas a ser aprovado pelo Parlamento português, desde a instauração do Estado de Direito democrático em Portugal.
Isto porque um decreto-lei aprovado em Junho de 1974 determinou a perda da nacionalidade para os indivíduos nascidos ou domiciliados nas ex-colónias portuguesas, levando a que milhares de pessoas nascidas no território português se tornassem cidadãos com sentimentos de apátridas, por continuarem na condição de estrangeiro, mesmo nunca tendo se deslocado ao país de origem dos progenitores.
Num debate organizado este ano pela Consciência Negra, António Tinga, membro daquela associação, apresentou-se como exemplo de milhares de afrodescendentes nessa situação e alertou que se trata de “um problema comum a todos os bairros dentro da cintura de Lisboa”.
“Quando vemos essa questão da nacionalidade, notamos que é um problema comum a todos os bairros dentro da cintura de Lisboa. Vemos que a nossa situação enquanto negros em Portugal é uma situação de sub-direitos e sub-liberdades”, afirmou.
É que apesar de António Tinga ter nascido em Portugal, em 1993, e só ter estado de férias em Angola, terra dos pais, “no máximo três meses”, o jovem afrodescendente garante que continua a sentir-se excluído na sociedade portuguesa.
“Era 100 por cento legítimo eu dizer que eu sou português, porque nasci aqui onde tive os meus amigos e fiz toda a minha vivência. Mas porque é que eu não me considero português? Porque o Estado português e o racismo que está imbuído nessa sociedade faz com que as pessoas te rejeitem à nascença. Rejeitam-te no dia a dia, mas também te rejeitam estruturalmente”, afirmou António Tinga.
Consagrar o “jus soli”
Dos projetos de lei apresentados pelos quatro partidos com assento parlamentar – BE, LIVRE, PCP e PAN – há algo em comum: todos defendem a consagração do critério do ´jus soli`, cuja regra assenta na ideia de que as crianças que nascem em Portugal, ainda que filhos de pais estrangeiros, ou de não nascidos em território nacional, são também portugueses.
As propostas dos partidos políticos convergem num ponto que é também defendido pela Consciência Negra no slogan que há anos norteou a sua campanha visando à alteração da Lei da Nacionalidade.
, na medida em que há convergência nos propósitos dos projetos apresentados pela totalidade dos partidos com direito de voto parlamentar sobre a matéria.
“Quem nasce em Portugal é português, ponto final”, propõe a Associação Consciência Negra.
Por isso, a associação assinala no comunicado a que o jornal É@GORA teve acesso que, nesta quarta, “se impõe na agenda das e dos deputados” dos partidos que convergem nos propósitos dos projetos apresentados sobre a matéria a “necessidade de uma mudança que confira a cidadania portuguesa a todas e todos os nascidos/as em solo português, independentemente da nacionalidade de origem dos pais e da sua condição legal”.
Num artigo de opinião publicado na página da TSF, o militante socialista Paulo Pedroso avisa que “se o PS não apoiar a adoção do ´jus solis` na lei da nacionalidade, estará a alimentar uma perigosa máquina de fabricar estrangeiros na sua própria terra”. (MM)