Parlamento pós-Joacine: “Prevejo menor representatividade” e extrema-direita “galopante” – Luzia Moniz

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Luzia Moniz, socióloga e jornalista

Manuel Matola

A socióloga e jornalista Luzia Moniz prevê uma eventual marginalização de temas da imigração num Parlamento pós-Joacine e diz estar “apreensiva” com futura representatividade negra na composição da Assembleia da República que sairá das próximas eleições legislativas de 30 de janeiro. Numa análise feita ao jornal É@GORA à atuação das três deputadas negras – Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes – eleitas há dois anos e ao comportamento dos partidos políticos na produção de lista de futuros deputados, Luzia Moniz vaticina: “Não vejo nenhum partido concorrente a apresentar cabeça de lista negra como aconteceu na sequência do escrutínio em que a Joacine foi eleita”. Acompanhe:

Com a dissolução do Parlamento, qual é o papel da imigração e como é que fica a questão da representatividade na futura Assembleia da República?

Estou apreensiva do que poderá ser o Parlamento saído das eleições de 30 de janeiro. A minha apreensão deve-se a três sinais que são evidentes: por um lado, o crescimento galopante da extrema-direita. Por outro lado, todos os sinais indicam que a representatividade que tivemos no Parlamento de três mulheres negras, provavelmente, não voltaremos a ter na próxima legislatura. Uma coisa não teremos, é evidente: uma cabeça de lista negra como tivemos Joacine Katar Moreira nas eleições legislativas de 2019. Não vejo nenhum partido concorrente a apresentar cabeça de lista negra como aconteceu na sequência do escrutínio em que a Joacine foi eleita.

Foi uma experiência negativa, seria essa a interpretação dos partidos?

Não. Foi uma experiência muito positiva para nós os afrodescendentes, aliás, a Joacine levou para o Parlamento a sua bandeira: a defesa dos direitos das minorias, a defesa LGBTI. Deste ponto de vista foi uma experiência muito positiva. Mas foi uma experiência que acabou por acicatar ainda mais o outro lado do fascismo da extrema-direita que nós temos. Por isso, eu não vejo nenhum partido neste momento a fazer isso. É preciso lembrar que a Joacine foi cabeça de lista não porque foi escolhida por um diretório partidário mas por eleição do público, que é assim que o LIVRE procede. Não havendo um(a) cabeça de lista negro não haverá esse “efeito Joacine” que pressionou os outros partidos de Esquerda a incluírem negros em lugares elegíveis. Não que até então as suas listas não tivesse negros, mas ficavam lá na cauda sem qualquer possibilidade de serem eleitos. Por isso, não vamos ter Joacine no Parlamento. Essa é uma certeza. A Joacine foi expulsa do LIVRE. Quero usar esta expressão: expulsa. Não foi apenas a retirada de confiança política, foi mais do que isso: foi expulsa do LIVRE. A Joacine não vai para o Parlamento, não vai para nenhuma força política, até porque não tem tempo. Ela precisa de descansar, pois foi um desgaste muito grande esses dois anos, então creio que ela descansará um bocadinho até ressurgir com outros projetos políticos noutras plataformas políticas. A Joacine ainda é muito jovem. Em relação a Bloco de Esquerda (BE), temos a Beatriz Gomes Dias, mas foi eleita vereadora à Câmara Municipal de Lisboa. Acredito que ela ficará na Câmara de Lisboa, além de que todas as previsões dão uma queda tremenda do BE que vai ser penalizado pela sua atitude de chumbar o Orçamento de Estado-2022. Nesta penalização dificilmente algum negro será eleito pelo BE porque eles vão tentar pôr nos primeiros lugares das listas os barões e baronesas, [lugares que a nível de todos os partidos políticos] os negros não fazem parte desta hierarquia. Por isso que vejo com preocupação que o próximo Parlamento tenha menor representatividade do que teve o Parlamento agora dissolvido.

As recentes eleições autárquicas elegeram vários deputados municipais que são de origem africana. Esses debates que eram levantados pelas três deputadas passarão a ser assumidos pelos deputados municipais negros nestas autarquias onde foram eleitos?

FOTO: Tornado ©
Também, mas será mais o papel de defender os problemas das comunidades das freguesias e municípios em que eles foram eleitos. Digamos: denunciar as dificuldades por que passam as comunidades negras nas suas áreas de jurisdição. Mas a minha preocupação para menor representatividade dos negros que se antevê nos parlamentos é que contrariamente às eleições autárquicas é que estas são feitas em tempo normal. Não resultaram de soluções ou anulações de processo político. Isso facilitou a criação de movimentos em que os negros se candidataram, porque muitas das candidaturas dos negros [nas últimas eleições autárquica] não foram dentro dos partidos. Só que neste momento não há tempo suficiente. Normalmente, quando há dissolução do Parlamento, a situação tende a favorecer os partidos políticos [e não aos movimentos cívicos que se propõe a concorrer aos processos políticos] porque não há tempo suficiente, de agora até altura de entrega de listas, perto de 40 dias antes da data das eleições para se organizar um movimento [e cumprir-se com] aquelas burocracias todas de recolha de assinaturas para candidatura para que haja uma representatividade, ou que poderia haver, porque há maturidade suficiente na sociedade portuguesa para surgir um movimento destes no sentido de representar todas essas sensibilidades que existem na sociedade. Por isso que a tendência será para apenas os partidos já estabelecidos apresentarem candidaturas porque têm meios – aliás, não precisam de grandes meios para recolher as assinaturas. Por isso daí a minha apreensão. Aquilo que aconteceu com o movimento das autárquicas dificilmente poderá acontecer agora porque não são umas eleições com as quais as pessoas, à partida, estavam a contar. As pessoas não se organizaram nem [sequer] têm tempo para organizar no sentido de criar estes movimentos como os que aconteceu nas autárquicas. E esse movimento em si mesmo é resultado do trabalho, sobretudo, da Joacine que aparecia quase como a única representante intérprete dos anseios das comunidades negras, afrodescendentes porque as outras duas deputadas – Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes – estavam incluídas nos seus dois partidos, respetivamente, BE e PS.

Neste caso, as associações pró-imigrantes deviam ser mais proativas?

Deviam e devem, mas não proativas no sentido de organizar candidaturas porque estes setores, como sabemos, têm sensibilidades diferentes. E para organizarem um movimento em que se candidatem a umas eleições legislativas é preciso que os integrantes deste(s) movimento(s) tenha(m) uma raiz ideológica comum, porque não poderá ser apenas um conjunto de pessoas. É preciso ir muito para além disso. Por isso, estou verdadeiramente convencida que a extrema-direita vai crescer exponencialmente e a fraca representatividade das comunidades negras passa a ser um problema e um desequilíbrio da sociedade.

Como é que se pode fazer frente a essa situação?

Agora e desde já é preciso sensibilizar os partidos com alguma abertura para isso – como o PS, por exemplo -, não tanto BE pelo historial, pois nós sabemos como foram tratados os negros como a própria Beatriz, Mamadou Ba. Mas isso está nas mãos do PS. É possível ainda sensibilizar o PS [embora] sozinho não vá ter o lugar de destaque para ter três, quatro ou cinco [deputados] negros, porque estes partidos não têm ainda essa cultura da igualdade racial e não estão estruturalmente preparados para esta igualdade racial. É preciso fazer este combate hoje, amanhã e sempre. (MM)

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