
Manuel Matola
A politóloga e jornalista internacional, residente nos Estados Unidos, Mónica Villela Grayley, considera que “falar português hoje faz uma grande diferença” no mercado de trabalho global, pelo que alerta para o “grande potencial” das redes sociais e do mundo digital moderno na promoção de um idioma com forte influência na Geopolítica.
Olhando para as oportunidades que os países lusófonos podem criar com a Estratégia definida pelos chefes de Estado e de Governo da CPLP, em 2008, assente na convicção de que ao tornar o português na língua mais falada do mundo, os países de língua portuguesa também se afirmam politicamente, a pesquisadora brasileira Mónica Villela Grayley traçou um plano de 20 pontos para que das estratégias nacionais estes países possam ajudar internacionalização do português usando-a quer como ativo económico bem como ativo político diplomático. As propostas constam do livro intitulado “A Língua Portuguesa como Ativo Político” que será lançado esta quinta-feira, às 16:00, na sede da CPLP, em Lisboa. O Jornal É@GORA entrevistou a autora da obra que resulta da tese de doutoramento em Ciência Política.
Qual a base deste livro?
O livro é baseado na estratégia da CPLP de 2008, durante a sétima Cimeira quando o ex-Presidente português Cavaco Silva sugeriu que houvesse uma resolução sobre a internacionalização da língua portuguesa, porque naquele momento os países – que continuam nessa estratégia – [tinham] a convicção de que ao tornar o português na língua mais falada do mundo esses países de língua portuguesa também se afirmam politicamente. Por exemplo, a Declaração da Praia, em Cabo Verde, dizia que essa era uma estratégia para que o passo geopolítico fosse mais democratizado. Então, quando nós falamos da estratégia de promoção de uma língua – uma tarefa de Estados que apresentam as suas propostas de promoção da língua – [estas] contam com os cidadãos que falam essa língua.
Estrutura…
Nesse livro, eu traço um plano de 20 pontos para que nós possamos melhorar nas estratégias [no sentido] de avançar o português no mundo. Mas também desenvolvo alguns conceitos, como a arte linguística, assim como também falo do poder das diásporas, porque o mundo em que vivemos hoje é bem diferente do de 2008. Se nós pararmos para pensar no avanço das redes sociais, que ajudam bastante na promoção da língua; se pensarmos que o mundo tem neste momento 281 milhões de migrantes, muito mais que tinha em 2008; [e, se pensarmos que] quando alguém sai da língua portuguesa e tem o português como língua oficial e materna, essa pessoa também se torna embaixadora da língua [então vale assinalar que] naquela época foi feita a estratégia. E de lá para cá estamos a falar de 14 anos. O livro é de 2019, mas baseado numa pesquisa de doutorado que começou em 2009, um ano depois de a estratégia [ter sido adotada pela CPLP]. Acho que este é o momento de nós examinarmos a estratégia e [as adotadas pelos] países que surgiram de lá para cá e adaptarmos essas estratégias de acordo com a realidade atual, com o apoio das diásporas e das redes sociais, uma grande aliada nesse processo, e, claro, sempre tendo em conta que uma língua tem poder quando ela é mais falada.
O que não está a ser discutido sobre o potencial da língua portuguesa volvidos 14 anos desde a adoção da estratégia de internacionalização do idioma?
Há muita coisa que está a ser discutida. O facto de estar a lançar esse livro na própria CPLP é uma prova de que os países membros e associados estão interessados em manter essa discussão viva e levar a proposta adiante de lá para cá. Acho que temos que ressaltar que até então, em 2019, quando o livro foi divulgado só havia um instituto de promoção da língua – o Instituto Camões, que faz um trabalho belíssimo de ensinar a língua portuguesa pelo mundo. Hoje, por exemplo, o universo lusófono [está em quase todo lado como língua oficial] no Mercosul, na União Africana, União Europeia. Na Associação de Nações do Sudeste Asiático vai ser quando Timor for membro da ASEAN (em 2023). Temos as nossas organizações regionais como a SADC, CEDEAO…
E o que não está a ser discutido…
Quando me faz essa pergunta penso nesse conceito que eu desenvolvi que é chamada Autoestima Linguística. Hoje, dependendo da forma como se mede, o português está entre quinta e sexta língua mais falada do mundo. No universo da lusofonia é falada por 285 milhões de pessoas. E como temos uma perspetiva de crescimento, até ao final desde século de 500 milhões – com Angola e Moçambique a crescerem muito demograficamente falando, além disso, somos países emergentes, temos uma economia de desenvolvimento alto mas temos também países em desenvolvimento que têm muitos recursos naturais… isso interessa a outros países para fazer negócio. Por exemplo, o Fórum Macau, que foi fundado sete anos depois da criação (em 1996) da CPLP, em 2011, obteve 117 mil milhões de dólares negociando com os países de língua portuguesa. Naquela época não negociava com São Tomé e Príncipe. Hoje, desde 2017, já está a negociar com São Tomé e Príncipe, ou seja, com todos os países de língua portuguesa. Em 2021, em plena pandemia, o Fórum Macau gerou uma receita de quase 200 mil milhões de dólares, quase que dobrou o que gerava em 2011, dez anos depois.
Então, há um poder económico da língua que se nota…?
Exatamente. Poder económico e poder político porque, antes, [quer] a União Europeia, o Mercosul, o próprio Fórum Macau eram fórum político, no singular. E, claro, nós temos uma coisa chamada diplomacia comercial em todos os países e o Fórum Macau investe fortemente nisso. É poder político e económico [pelo que] falar português hoje faz uma grande diferença. Não é à toa que pessoas que não têm o português como primeira língua se interessam pelo idioma, porque sabem que falando português você tem mais chance no mercado de trabalho.
“A língua portuguesa é uma pátria universal que nós precisamos resgatar”
Portugal é neste momento dos países que mais acolhe refugiados, sobretudo, ucranianos. Estando a falar deste potencial do português no mundo, acha que Portugal deve fazer mais para que a língua portuguesa entre pela comunidade ucraniana para que essa mesma comunidade ajude a expandir a língua?
Como eu falava antes, temos um movimento migratório [e em 2020] havia 281 milhões de migrantes no mundo, segundo a OIM. Entre estes estão também migrantes de língua portuguesa. [Vale lembrar que] o processo de imigração inclui o aprendizado da língua. Nós temos exemplos de congoleses que foram para Angola e aprenderam português, de italianos que foram para o Brasil há muito tempo e alemães que foram no século XIX e aprenderam a língua. Aprender a língua facilita muito o processo de integração. Não posso opinar em relação a Portugal, ou a um outro país. O que posso dizer é que cabe a cada Estado decidir o que fazer. Não é uma opinião [que me cabe] como pesquisadora. Mas o que tenho visto é que Portugal tem investido bastante no ensino do português para os ucranianos neste momento, mas para outros migrantes também. E, claro, quando uma pessoa aprende o português como segunda língua ela vai entrar para esse grupo de milhões de falantes do português como segunda língua e não como língua de herança, ou seja, os que falam português porque os pais falam. Por exemplo, se eu falo alemão hoje é porque Alemanha investiu no ensino da língua para estrangeiros e eu aproveitei essa oferta. Então, o que eu tenho visto, ouvido e lido dos discursos de autoridades é que esse processo tem sido bastante bem sucedido não só em relação aos refugiados que foram acolhidos neste momento infeliz desta guerra [na Ucrânia] como os ucranianos que chegaram antes da guerra, e com outras nacionalidades. E isso para nós de língua portuguesa é um processo muito positivo no sentido em que as pessoas aprendem a língua, como parte da integração, e ganham ao se integrar. Mas essa língua elas também vão aprender a valorizar porque ao aprender uma língua a pessoa passa a conhecer outro horizonte. Isso só pode ser uma coisa positiva para promoção da língua mas também para integração de povos, porque, com certeza, as pessoas que aprendem o português tende a voltar a Portugal, ou ao Brasil, Angola, ou Moçambique. Elas tendem também a consumir essa cultura, à forma de ver a vida, a música, literatura. Acho que ao ensinar a nossa língua a pessoas que não nasceram com ela só temos a ganhar.
Há uma discussão que ficou parada no tempo, provavelmente, que tem a ver com o Acordo Ortográfico. Qual é a opinião da Mónica enquanto investigadora?
O Acordo Ortográfico inclusive é um dos capítulos . Naquela época [do início da produção do livro], o Acordo Ortográfico que entrou em vigor em 2009 no Brasil e em vários países da língua portuguesa, era uma discussão um pouco mais calorosa do que agora que, acho, já ultrapassamos a discussão. [Veja que, por exemplo], as crianças já aprenderam a escrever com o Acordo Ortográfico, cujo propósito até agora foi o mais bem sucedido. Antes desta acordo, os Acordos terminavam em desacordos, infelizmente. Estou a falar de 1945 quando o Brasil deixou o Acordo Ortográfico e aí houve uma discrepância na escrita. Mas acho que mais importante do que um Acordo Ortográfico, que foi uma discussão que ficou no passado e tem estado a ser implementado de acordo com o entendimento de cada país, é que nós vejamos essa língua de uma maneira mais universal. Eu digo que a língua portuguesa é uma pátria universal que nós precisamos resgatar. Ou seja, ela foi a primeira língua a ser globalizada; hoje, é a quinta ou sexta língua mais falado do mundo e ao mesmo tempo temos todo esse potencial nas nossas mãos que é de poder viajar de Norte a Sul, de Leste a Oeste falando a língua portuguesa e estamos ainda preocupados com diferenças. Nós temos muito mais em comum do que diferenças. Por exemplo: naquela época ouvia pessoas dizer – porque hoje já nem sequer discutimos isso – que ´eu não gosto do Acordo Ortográfico porque facto é uma coisa e fato é outra`. O facto é que essa pessoa não sabe ou não tem informação de que o Acordo não mudou essa palavra. Ou seja, às vezes, dizemos que ´eu gosto ou não gosto do Acordo` sem conhecer realmente o que foi feito. Tudo bem, não tem problema, essa é uma discussão de 2008/9, mas acho que a discussão hoje em 2022 é [identificarmos] o que nós temos em comum. Dou um exemplo: eu não vejo isso em outras fonias. Eu estudei a hispanofonia, a francofonia e estudei um pouco da anglofonia para fazer esse livro. Essa marcação de diferenças é muito frequente na lusofonia. Veja: o espanhol tem uma associação de academias de língua espanhola. Todo esse trabalho é feito em parceria e cooperação. Como sabemos, o México é o maior país da língua espanhola e tem uma grande presença na diáspora – pelo menos 30 milhões de pessoas e com uma perspetiva de aumento substancial. Eu particularmente vivo perto da anglofonia não só porque trabalho num país de expressão inglesa, mas também porque tenho em casa uma realidade anglófona, mas eu não me deparo com, por exemplo, americanos e ingleses marcando diferenças [dizendo, por hipótese] que vocês dizem Labor ou Labour com “u”. Eu não vejo essa discussão. Então, eu não sei se isso ajuda, porque essas fonias que estão um pouco mais avançadas na promoção, ou se bater nas diferenças nos atrasa. Não sei. Como pesquisadora, acho que passei por ela – fui obrigada a passar -, mas prefiro olhar para outro lado: saber como é que a gente se integra e se conhece melhor. E aí passa também pela promoção da língua e da integração dos próprios países.
E do próprio esclarecimento do peso e da importância do Acordo. Será por aí?
Não. Acho que a discussão do Acordo já passou. Os países que implementaram o Acordo já estão com crianças formadas no Acordo. Eu por exemplo tenho uma prima portuguesa, de 15 anos, que diz que para ela já é o Acordo. Entrevistei outras pessoas que já não discutem mais sobre o Acordo Ortográfico. Essa discussão já passou. O que tem agora é uma questão de integração. Vou dar um exemplo que vem também pela indústria do entretenimento: Como nós sabemos das novelas brasileiras que estão em 130 países, incluindo Portugal, etc.. fizeram com que muitos países se acostumassem à variante brasileira na maneira de falar – e vale ressaltar que não existe a variante brasileira, pois a gente fala isso no grosso modo -, pois o Brasil tem vários sotaques. Então, o contrário também ajudaria: assistir novelas de outros países sendo passados no Brasil. Ter programas de outros países sendo passados no Brasil e, também, ao nível da indústria do streaming, aqueles programas que a pessoa vê a hora que quer. Se o Brasil tem uma indústria maior nessa área de entretenimento é claro que o léxico brasileiro vai ser mais conhecido em outras partes [do mundo], mas por que não outras partes serem conhecidas também no Brasil e vice-versa. Acho que aí existe um grande potencial. Por isso que eu volto a dizer: as redes sociais e o mundo digital moderno são um aliado [para a promoção da língua portuguesa como ativo político]. (MM)