Manuel Matola
Portugal está a viver uma crise política que pode ter efeitos adversos sobre o futuro da nova agência imigração, AIMA, uma semana depois da entrada em funções deste órgão que substituiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
O primeiro-ministro, António Costa, apresentou demissão do cargo de chefe de governo de Esquerda, liderado pelo Partido Socialista, devido a suspeitas de uso do seu nome num caso de “tráfico de influência” para desbloquear procedimentos num projeto sobre a exploração do lítio.
O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, já aceitou a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, convocou os partidos com assento parlamentar para quarta-feira e o Conselho de Estado para quinta-feira, dia em que falará ao país.
A ex-deputada Joacine Katar Moreira admite a possibilidade da extinção da nova agência se a Direita assumir o poder em Portugal: “A demissão do primeiro-ministro socialista e a possibilidade da realização de eleições poderá comprometer a eficácia da nova Agência das Migrações, caso mude o espectro político”, diz ao jornal É@GORA, recordando a forma como nasceu a instituição.
“A AIMA é um projeto socialista que na altura teve apoios parcos no parlamento para a sua aprovação. Fui uma das deputadas que votou a favor da extinção do antigo SEF, por uma solução mais benéfica para a comunidade imigrante que passava pela separação da parte administrativa da parte policial e com isso garantir um atendimento mais adequado, eficaz e humano. Por outro lado, tendo em conta a demora do Partido Socialista em fazer valer a criação desta Agência, a desorganização e o acúmulo dos problemas dos imigrantes, dependerá muito de quem esteja à frente do futuro ministério a boa ou má implementação das políticas migratórias”, afirma.
Em declarações ao Jornal É@GORA, a jornalista e socióloga angolana Luzia Moniz alerta, por um lado, para o impacto desta demissão do governo português na imigração: “Isso deixa uma perplexidade sobretudo junto das comunidades migrantes, junto dos afrodescendentes, porque isso significa a demissão do primeiro primeiro-ministro de Portugal não branco. Isso tem uma importância particular quando nós falamos de identidade de referencial”, diz, lembrando, “por outro lado”, que esta “é a demissão do único primeiro-ministro português que nomeou uma negra para ministra”, Francisca Van-Dunem, considerada a Mulher Referência na comunidade negra em Portugal.
Eis os fundamentos para o futuro da nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) estar tremido:
Primeiro, porque Portugal poderá virar à Direita, com o reforço do poder das quatro partidos deste espetro político cuja opinião contrária à extinção do SEF converge logo nas suas propostas eleitorais. Neste ponto, as forças políticas da Direita posicionaram-se formalmente nos seus manifestos eleitorais no sentido de evitar o fim do SEF que entretanto foi extinto. E a recente defesa de PSD de reversão desta decisão de extinguir a instituição que assegurava o controlo de entrada de estrangeiros em Portugal é coincidente com a do CDS, da Iniciativa Liberal e do Chega, partido da extrema-direita e anti imigração.
No último domingo, o Presidente da República recebeu em audiência o deputado André Ventura, líder do Chega, que acusou o Governo de “irresponsabilidade” no processo de transição de competências e atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para sete organismos.
Antes, o então líder da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim Figueiredo, considerou que o processo de extinção do SEF não só “é uma trapalhada sem nome”, como também é uma “decisão errada”.
Recentemente, o presidente do PSD, Luís Montenegro, o líder do principal partido da oposição em Portugal, juntou-se às vozes críticas da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao considerar que o “desmantelamento do SEF”, na verdade, “tem sido uma grande confusão”, até porque, “ninguém percebe quais são as vantagens que o processo está a ter, ninguém percebe como os recursos humanos que foram distribuídos por várias entidades vão interagir”.
Há uma semana, a nova agência da imigração passou a integrar no seu organograma a PSP, GNR e PJ, enquanto as funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros foram atribuídas ao Instituto de Registo e Notariado (IRN). A AIMA passou igualmente a ser responsável pelo Centro Nacional para o Asilo e Refugiados, bem como por um Departamento para a Igualdade e o Combate ao Racismo, à Xenofobia e à Discriminação.
Há quase 10 dias para o fim do SEF, o líder do CDS-PP Nuno Melo defendeu a necessidade de o Governo português reverter a decisão de extinguir aquele órgão e justificou porquê: o término do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras “coloca em causa a segurança na União Europeia” que enfrenta um novo fluxo migratório.
Nuno Melo avisou que “neste momento há um problema de segurança interna na União Europeia”, pelo que exortou: “Queremos apelar à reversão da decisão do Governo de extinguir o SEF, que será trágica e Portugal e péssima para a UE”, disse o eurodeputado aos jornalistas à entrada para uma conferência do grupo do Partido Popular Europeu (PPE) sobre o Mercado Europeu de Eletricidade, que decorreu em Lisboa.
Após a primeira semana, o Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) fez esta segunda-feira uma ação de protesto nas escadas de Parlamento onde lamentou “a falta de cuidado do Governo”. Motivo. “As vagas para renovar a autorização de residência estão esgotadas, em todo o país, até ao dia 31 de dezembro”, avisa o Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) citado pelo JN.
De acordo com o Ministério da Justiça, o “IRN tem 69 agendas abertas e disponíveis para o exterior, que registaram um elevada procura imediata, e com capacidade para cerca de 25 mil atendimentos até ao final do ano”. Neste momento, diz JN, as agendas estão lotadas, mas a tutela garante que irá assegurar vaga a todos os cidadãos depois de eliminar os lugares que foram preenchidas indevidamente.
“O IRN detetou, todavia, que muitos destes agendamentos não são necessários, uma vez ue se referem: a pessoas que podem ver renovada a sua autorização de residência de forma automática sem necessidade de se dirigirem a um balcão; a agendamentos repetidos em nome de um mesmo cidadão e, a marcações que se destinam a pedidos iniciais de autorização de residência, que são competência dos balcões da AIMA”, afirmou o Ministério da Justiça, citado pelo diário português.
Em contacto com o Jornal É@GORA, Joacine Katar Moreira diz: “Não acredito que se volte a recuperar o modelo do antigo SEF por este ter-se revelado ultrapassado e com todos os problemas já identificados, mas isso dependerá da existência ou não de uma coligação com a extrema-direita com a direita democrática, um cenário que não podemos ignorar neste momento”.
Por isso, Luzia Moniz faz outra leitura da situação atual: A outra questão para os imigrantes é que, caso o Presidente da República convoque eleições, “essa demissão abre hipótese de termos no governo um partido xenófobo, racista, refiro-me ao Chega, sem o qual o PSD, a Iniciativa Liberal [partidos da Direita com assento parlamentar] não poderão formar governo, a acreditar nas sondagens como elas têm sido apresentadas até aqui. Por isso, essas são as três preocupações que essas eleições [antecipadas] nos deixam às comunidades afrodescendentes e migrantes”.
Uma sondagem feita depois de conhecida a proposta de Orçamento do Estado 2024, reforça o terceiro lugar do Chega, com 14,9% de intenções de voto, voltando a subir em relação a julho e a registar os seus melhores resultados na Área Metropolitana de Lisboa, no Sul e Ilhas.
O processo de transição de competências e atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a GNR e a PSP destaca “o papel decisivo” que a Polícia de Segurança Pública (PSP) vai ter no trabalho que será feito no âmbito do controlo da permanência e atividade dos imigrantes em Portugal. No relatório sobre Portugal, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) aponta diversas críticas às ações das autoridades policiais portuguesas, cujos agentes são acusados de infiltração no Chega, uma situação que, entretanto, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, ministro Portugal considera que “não corresponde à realidade”. (MM)