A diáspora guineense em Portugal considera “perigosa e preocupante” a atual situação sociopolítica e económica na Guiné-Bissau e defende “uma reforma profunda” do Estado que “evite todo o tipo de ambiguidades” em relação aos diversos poderes instituídos.
A manifestação, foi expressa no encontro de auscultação, organizado pela Associação Aldeia Lusófona que teve lugar no pavilhão polivalente cedido pela Câmara Municipal de Odivelas e, contou com a participação do antigo chefe de Estado da Guiné-Bissau, Manuel Serifo Nhamadjo, cerca de meia centena de imigrantes guineenses em Lisboa discutiram os pontos que pretendem fazer constar de uma carta que vai ser enviada ao Presidente da República, José Mário Vaz, e às várias instituições de soberania do país para protestar contra o atraso na nomeação do primeiro-ministro eleito e consequentemente do Governo.
“Depois de grandes vitórias não só em África, mas no mundo, a situação que se está a passar na Guiné-Bissau é triste. Nós produzimos a diáspora não só fora da Guiné Bissau, como também dentro do país”, disse o escritor, poeta e jornalista, Tony Tcheca, um dos primeiros intervenientes de um acesso debate falado integralmente em crioulo pelos imigrantes guineenses residentes em Portugal.
“Temos que fazer uma reforma do Estado, pois, só mediante uma reforma de A à Z podemos chegar lá”, face a uma imagem externa deteriorada da Guiné-Bissau, defendeu o jornalista, um dos rostos da diáspora e analistas mais conceituados guineenses a viver em Portugal.
A Guiné Bissau está a viver um impasse político por falta de entendimento entre os partidos que formam o Governo e alguns com assento parlamentar, daí que o Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, reafirmou no fim de semana que só vai nomear um novo executivo após terminar impasse para a eleição da mesa da Assembleia Nacional Popular.
Mas durante o debate, em Lisboa, alguns participantes não só atribuíram responsabilidades ao Chefe de Estado Guineense como também apelaram para sua intervenção urgente por alegadamente José Mário Vaz estar a fazer atrasar o processo de normalização do país.
O governador da região de Gabu, Abdul Sambu, assinalou que “quando a Guiné-Bissau está em perigo é preocupação para todos, por isso, a diáspora está a questionar sobre o que está a acontecer no país”, uma vez que no passado dia 10 de março os eleitores guineenses votaram em eleições legislativas e “da urna saiu um resultado”.
O primeiro dos dois mandatos de José Mário Vaz, que já avisou que não irá nomear o primeiro-ministro eleito, chegará ao fim no dia 28 do corrente mês.
Nos meios diplomáticos começam a surgir vozes inquietantes em relação a essa situação e aos cenários futuros do país caso o atual presidente guineense decida renovar o mandato.
Uma carta recentemente enviada pelo embaixador de Angola a Guiné-Bissau, Daniel Rosa, ao secretário-executivo da CPLP, embaixador Francisco Ribeiro Telles, reflete essa apreensão.
Segundo a correspondência, a que o Jornal É@GORA teve acesso, Daniel Rosa indica que o Presidente guineense “expirará formalmente” o seu mandato a 23 de junho de 2019, algo inédito na Guiné Bissau, visto que “até ao momento, nenhum dos seus antecessores conseguiu concluir o mandato presidencial”.
No entanto, apesar de ser um marco natural em diplomacias consolidadas, na política guineense esta situação constitui preocupação na medida em que “a Constituição da Guiné Bissau não contém quaisquer disposições sobre o que deve acontecer quando o mandato de um Presidente em exercício chega ao fim antes da realização das eleições presidenciais”.
Na carta enviada ao secretariado executivo da CPLP, o embaixador de Angola na Guiné Bissau questiona sobre “que tipo de acordos institucionais devem ser implementados quando o incumbente em exercício declara a intenção de concorrer a um segundo mandato”, pois “existe considerável ambiguidade entre os constitucionalistas quanto aos arranjos pós mandato e seria importante tentar elaborar as interpretações divergentes sobre as provisões constitucionais que regem o mandato presidencial subsequente”.
Mas no debate da diáspora guineense em Portugal há quem tenha defendido alterações constitucionais na Guiné Bissau, por acreditar que a atual Constituição está “obsoleta em relação ao avanço significativo do povo” guineense.
No entanto, o antigo presidente da República Manuel Serifo Nhamadjo alertou para o perigo de uma eventual alteração da Lei fundamental da Guiné Bissau, acusando os defensores desta corrente de opinião de estarem a “procurar bode expiatório na Constituição”.
“Na zona francófona vigora o regime presidencialista” e, como os guineenses fazem parte desse bloco regional africano, parece que “estamos tentados a ter um regime presidencialista na Guiné Bissau. Imaginem o JOMAV (José Mário Vaz) com o regime presidencialista”, questionou Manuel Serifo Nhamadjo, alertando à sociedade guineense para ter cuidado com as propostas que apresenta para solucionar o problema da Guiné Bissau.
“A democracia pressupõe aceitar opiniões diferentes e saber coabitar com uma diversidade de pensamentos”, pelo que nesse sentido “a educação é um dos eixos que não pode ser negligenciado”, afirmou o antigo Presidente da Guiné-Bissau, cujas intervenções foram muito aplaudidas pelos presentes.
Recordar que o encontro de auscultação foi organizado pela Associação Aldeia Lusófona e teve lugar no pavilhão polivalente cedido pela Câmara Municipal de Odivelas. (MM)