O saxofonista angolano, Nanutu, afirma ser um músico que cresceu com a imigração. Reconhece que amadureceu com a experiência adquirida ao longo de vários anos em vários países do mundo, entre os quais Portugal.
O músico falou ao Jornal É@GORA no dia do concerto, que apresenta esta sexta-feira, no espaço cultural B´Leza, em Lisboa, inserido-se nas comemorações do 44º aniversário da independência de Angola, a 11 de novembro.
O espetáculo desta noite, “Nanutu e os Kambas”, é uma espécie de rampa de lançamento para um “grande concerto” previsto para 2020, mas ainda sem data definida. O projeto está a ser pensado há já algum tempo, segundo revelações do músico angolano, que tem como convidados Jorge Rosa, Helvio, Salima e Gulamali.
“Creio que entre janeiro e fevereiro já teremos boas notícias. É mais ou menos a altura em que penso ser possível apresentar o novo espetáculo”, revela em entrevista ao Jornal É@GORA.
O evento terá lugar numa grande sala de espetáculos nas cidades portuguesas de Lisboa e Porto. A ideia é estender o projeto a Paris, França, considerado o centro da música africana e onde se encontram os grandes músicos africanos.
O instrumentista mais internacional de Angola precisa que o concerto no B’ Leza é “uma espécie de junção de todas estas experiências”, associadas aos discos que gravou durante a sua carreira a solo. Este concerto, de acordo com Nanutu, é o seguimento do “grande projeto” já dado a conhecer em Luanda (Angola) no princípio deste ano.
No B`Leza, reúne os kambas – amigos em kimbundu. De igual modo, o “grande espetáculo” de 2020 irá juntar amigos e outros artistas convidados.
“O que eu pretendo é anunciar ao mundo um novo projeto mas com a dinâmica de um instrumentista angolano que se apresenta com uma outra forma de estar na música”. E precisa: “É a música instrumental angolana que eu pretendo divulgar”.
Nos palcos do Médio Oriente
Além dos países de língua portuguesa, Nanutu – nome artístico de António Manuel Fernandes – tem conquistado «grandes mercados» do Médio Oriente, como ele próprio afirma ao citar as Arábias, nomeadamente o Dubai, Abu Dhabi ou Quatar, mas também Singapura, Malásia, Indonésia, Tailândia e Austrália.
É esta diversidade de mercados, que contribuiu para enriquecer a sua carreira, que leva para o espetáculo naquele espaço cultural situado à beira do rio Tejo, na capital portuguesa. Embarca nessa diversidade de ritmos sem se ficar apenas pelo semba de Angola.
Também toca coladera, morna e reggae. Os arranjos que faz vão de encontro com os vários estilos musicais que influenciaram a sua carreira.
Reconhece ser um músico que imprime dinâmica nas suas atuações. “Sou um instrumentista alegre no palco. Eu danço e interajo com o público”. Porque, explica, “normalmente quando se olha para um instrumentista faz-se imediatamente a colagem ao jazz”, imaginando «um artista estático». Não é este o seu caso, argumenta. «Eu sou de constante movimento e dinâmicas diferentes num espetáculo que é meu.»
Da bateria ao saxofone
O seu primeiro instrumento foi a bateria, até aos nove anos, quando a trocou pelo clarinete. Aos 12 anos, optou pelo saxofone e passou a atuar em grupos em Luanda, com destaque para “Os Merengues”.
Estudou música na Casa dos Rapazes de Luanda, na Academia de Música de Luanda, mas também frequentou o Hot Clube de Lisboa. São para ele uma referência o Conservatório Musical de Santo Domingo, na República Dominicana, e o Conservatório Nacional de Havana (Cuba).
Participou em vários festivais no mundo entre os quais o Festival Pan-Africano da Juventude em Tripoli (Líbia) e conquistou o primeiro lugar no Concurso de Bandas e Artistas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), no Coliseu dos Recreios, em Lisboa (1984).
Com toda a sua essência musical africana, o saxofonista angolano tocou 16 anos com o artista português, Luís Represas, e durante o mesmo período fez parcerias com os artistas cubanos Pablo Milanez e Compay Segundo, entre outros. Em 1991, transferiu-se para Portugal, tornando-se acompanhante de músicos e artistas africanos que faziam excursões pela Europa, nomeadamente dos PALOP.
A carreira a solo, que hoje já conta com cinco CD’s, tinha começado praticamente quando acompanhava estes artistas, nos anos 1994/95; «já era uma carreira em paralelo com os artistas com quem eu tocava», adianta. “E é justamente essa experiência que fui ganhando que traduzo em palco”, contextualiza.
Nanutu foi considerado Saxonista Revelação entre os três melhores de África, segundo um estudo feito pela Alliance Française em Paris (França).
“Ser um músico imigrante”
Pelos caminhos que percorreu, concorda ser hoje um músico “muito mais maduro”, também fruto da imigração, sobretudo na Europa. Antes de Portugal tinha estado a tocar na Bélgica. Mas, para ser justo, reconhece que Portugal foi o país que lhe abriu as portas. “Foi o país que me deixou que eu fluísse”. A partir daí, foi ganhando experiências da imigração, “do que é ser um músico imigrante”.
Confessa que, como angolano, nunca teve consciência do que é ser imigrante. Foi do convívio com muitos músicos de Cabo Verde – país entre os PALOP, que é, certamente, o que mais imigrantes tem pelo mundo –, que foi se inteirando do conceito e da sua essência. Cita os nomes de Bana, Cesária Évora, Tito Paris, Lura, com os “Cabo Verde Show”, com a “Voz de Cabo Verde”, com os quais aprendeu bastante.
“O que eu sei hoje devo muito a um grande músico cabo-verdiano que se chama Paulino Vieira”, recorda. “Paulino Vieira ensinou-me muito”, quer como músico quer como ser humano.
Diz que soube aproveitar estes valores. Hoje sente-se um músico do mundo. “Nós não nos podemos cingir ao metro quadro do nosso país e ficarmos estagnados. Nunca foi esta a minha ideia”, explica. “A minha ideia foi justamente tornar-me um músico da world music e daí para a frente explorar os sons, os ritmos, as dinâmicas e as influências musicais úteis”.
São por todas estas influências que foi bebendo que se tornou num «imigrante saudável», «um imigrante musical», «um imigrante ousado» e «mais enriquecido», com «todos os ingredientes na panela», como se diz em Angola. São com estes condimentos que traduz musicalmente nos seus temas.
Novo CD em dezembro
Em dezembro irá sair um novo trabalho, que tem como título “Gato Vijú” [gato esperto, inteligente]. Com o novo CD, diz que já estarão reunidos todos os ingredientes para o tal “grande espetáculo” em 2020, que terá registo também em DVD.
Na parte final da entrevista ao Jornal É@GORA, Nanutu olha com sentido crítico para as mudanças em curso em Angola, em vésperas da celebração do 44º aniversário da independência do seu país natal. É com orgulho que diz ser “muito patriota”.
Garante, de boca cheia: “jamais trairei o meu país”. Mas Nanuto quer acreditar nas premissas de mudança lançadas pela nova governação liderada pelo Presidente João Lourenço.
“Quero que os governantes nos oiçam e nos entendam”, pede, sugerindo ser necessário cumprirem o que prometem. «Infelizmente não é isso que estamos a ver», lamenta o músico que acompanha como imigrante os acontecimentos desta nova era na história de Angola.
No entanto, dando o benefício da dúvida à classe política, acredita que os políticos dirigentes angolanos, quer estejam no poder ou na oposição, devem e podem dar o seu melhor. “Este é o caminho», adverte, avisando que qualquer político tem que ter noção desta exigência. «Eles têm que dar o seu melhor”, adianta.
“Vou continuar a acreditar, da mesma forma como acreditei na minha carreira», assegura o músico. «É neste sentido que continuo a acreditar no meu país”, reforça.
Depois do show desta noite, Nanutu tem em agenda pequenas apresentações intimistas, uma vez que está no processo de acabamento do seu novo disco em Paris, a anteceder o grande concerto de celebração da sua carreira previsto para 2020.
O seu último CD “Ximbika” esteve em primeiro lugar durante dois meses na Rádio África Number One, em Paris, onde até à data presente é muito ouvido. (X)