Portugal perante desafio de (in)compreensão de eventual imigração ilegal marroquina

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FOTO: LUSA ©

Manuel Matola

Um grupo de 21 jovens marroquinos foi intercetado a desembarcar ilegalmente na praia da Ilha do Farol, em Faro, elevando para 69 o número de migrantes provenientes do norte de África nos últimos oito meses, um caso que está a suscitar leituras diferentes no seio das instituições que lidam com a questão da imigração em Portugal.

O sindicato que representa os inspetores do SEF considera que o desembarque de imigrantes em embarcações, esta terça-feira, é prova de que “as evidências não se negam e há aqui uma realidade” que se está a demonstrar sobre possível rota de imigração ilegal para o Algarve e que, desde dezembro, Portugal funciona sobretudo como uma porta de entrada para Europa.

Contudo, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, afasta a hipótese de se estar perante uma rede de imigração ilegal, mas o seu colega de governo, o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, diz estar a analisar uma proposta de texto que Portugal apresentou ao governo de Marrocos para avançar as negociações para um acordo relativo à migração legal.

Até lá, para o presidente do sindicato que representa os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), Acácio Pereira, “é falta de lucidez política não admitir” que existe uma rota de imigração ilegal para o Algarve.

Para Augusto Santos Silva, a migração legal “é a verdadeira alternativa às migrações irregulares e a toda a sorte de tráfico que se alimenta delas e as fomenta”.

Por isso, garante: “acertei com o meu colega marroquino que faríamos avançar as negociações para um acordo relativo à migração legal”, disse, a propósito do diálogo que teve com o seu homólogo quando esteve em Marrocos no início do ano.

Porém, o responsável pela diplomacia portuguesa assinala que “a pandemia também aqui fez com que os processos negociais sejam mais lentos”.

“Mas”, assegura Augusto Santos Silva, “temos usado todos os mecanismos ao nosso dispor para trabalhar com as autoridades marroquinas, através designadamente dos respetivos embaixadores para que possamos chegar tão depressa quanto possível a um acordo”.

Mas “há uma rota e nós somos um destino”, insiste, entretanto, o presidente do sindicato dos inspetores do SEF, citado pela agência Lusa depois de terem chegado ao Algarve, na noite de terça-feira, mais 21 migrantes, com idades entre os 24 e 26 anos, oriundos de Marrocos.

O grupo de 21 migrantes foi intercetado já no areal da Ilha do Farol, pelas 19:45, tendo pernoitado num pavilhão em Olhão, onde hoje foram entregues ao SEF, que garante que todos apresentaram resultados negativos aos testes para despistagem da covid-19.

Contas feitas, desde o final do ano passado, já foram intercetados 69 migrantes oriundos do norte de África na região.

Em dezembro de 2019 chegou à costa algarvia um grupo de oito migrantes e em janeiro deste ano 11 cidadãos marroquinos foram detetados ao largo da Ilha de Armona, no concelho de Olhão.

Em junho, dois grupos de migrantes desembarcaram também no Algarve. Uma embarcação com um grupo de sete migrantes, alegadamente de origem marroquina, desembarcou ao largo de Olhão. Uma outra embarcação, desta vez com 22 migrantes oriundos no Norte de África, foi intercetada quando as pessoas se preparavam para desembarcar na Praia de Vale do Lobo, no Algarve.

Em 06 de junho, tinham sido detetados sete migrantes ao largo de Olhão. Dias depois, 15 de junho, uma embarcação com 22 homens foi intercetada quando os tripulantes se preparavam para desembarcar na Praia de Vale do Lobo, em Quarteira.

No dia seguinte ao desembarque de 15 de junho, em Vale do Lobo, o ministro da Administração Interna afirmou numa comissão parlamentar que Portugal “não deve cair no ridículo” ao considerar que existe uma rede de migração ilegal para o Algarve.

“Estando a falar de quatro desembarques desde dezembro de 48 pessoas devemos ter alguma dimensão do ridículo quando compararmos com aquilo que são 7.500 chegadas a Espanha desde janeiro, mesmo com uma redução significativa de chegadas verificada este ano”, precisou na altura Eduardo Cabrita, respondendo ao deputado do CDS-PP Telmo Correia sobre os 22 migrantes.

Referindo-se ao mesmo desembarque, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Pina, disse à Lusa que enquanto aqueles cidadãos não fossem considerados como imigrantes ilegais e devolvidos aos seus países, iriam continuar a tentar chegar à costa algarvia em embarcações.

O também presidente da Câmara de Olhão disse, na altura, discordar da possibilidade de estes cidadãos serem considerados exilados ou refugiados políticos, porque a situação em Marrocos, país de onde dizem provir, “é distinta da que existe no Mediterrâneo, com pessoas oriundas de países onde há guerra”, como a Síria ou a Líbia.

No dia 03 de julho, três migrantes do grupo que se encontravam instalados no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária no Aeroporto do Porto evadiram-se daquele espaço, mas foram capturados horas depois e reinstalados no mesmo local.

Esta quarta-feira, o líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, instou o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, a esclarecer publicamente a existência ou não de uma rede de imigração ilegal que atua no Algarve, considerando que o governante cobriu-se “de ridículo” ao ter desvalorizado esta possibilidade.

“Tornou-se muito evidente, e existem indícios muito claros, de que está a ser explorada por traficantes uma rede ilegal no sul de Portugal”, disse o líder parlamentar, citado pela Lusa.

O deputado recordou ter perguntado a Eduardo Cabrita, numa audição parlamentar, “se ele não considerava que, perante uma série de desembarques no Algarve, podíamos estar perante uma rede de imigração ilegal” e lamentou que a resposta obtida foi que não se deveria “cair no ridículo” porque se tratava de “factos isolados que não tinham relevância”.

Segundo a Lusa, o líder parlamentar centrista realçou igualmente que o Serviço de Informações de Segurança (SIS) considerou “muito preocupante a existência de uma rede de imigração ilegal a partir de Marrocos e tendo como destino o sul de Espanha e o Algarve”.

Milhares de migrantes têm utilizado nos últimos anos as três principais rotas do Mar Mediterrâneo (Oriental, Central e Ocidental) para chegar à Europa, pressionando principalmente os países do sul da União Europeia como Espanha, Itália e Grécia. (MM e Lusa)

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