Portugal reúne seus embaixadores no mundo e avalia Acordo de mobilidade. Retirem “ilações”, apela CPLP

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Manuel Matola

Portugal vai reunir, em janeiro do próximo ano, todos os seus embaixadores espalhados a nível mundial para discutir entre outros temas a implementação do Acordo de Mobilidade.

O evento vai realizar-se um ano depois da entrada em vigor desta medida que criou “algumas anomalias” no território português, sobretudo aos vários imigrantes que continuam “no limbo” devido à decisão do governo de Lisboa.

Hoje, o Secretário Executivo da CPLP, Zacarias da Costa, advertiu os países lusófonos a saberem retirar “ilações” do impacto da medida e do que se está a passar, especialmente com Portugal que, em março, lançou novas autorizações de residência para cidadãos da CPLP no novo portal disponibilizado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um processo criticado por Bruxelas.

A modalidade possibilita aos imigrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com processos pendentes até 31 de dezembro de 2022 obter autorização de residência de forma automática.

Mas a Comissão Europeia acusa o Estado português de violação de acordo das regras europeias. Portugal rejeita e garante: o acordo de mobilidade CPLP “não colide” com o regime de vistos europeu, pois é distinto da área Schengen.

O “sim” de Bruxelas e o “não” de Portugal sobre a eventual incompatibilidade do Visto CPLP em relação às regras da União Europeia está a tornar a vida de imigrantes lusófonos num pesadelo.

O brasileiro Leandro Diogo é um dos rosto de milhares destes imigrantes tramados pelo novo sistema. Após um simples clique na página do SEF colocou-se em situação irregular em Portugal: anulou uma primeira conquista na luta pela aquisição de um documento que, às vezes, requer anos de espera para se obter.

Quando há um ano e meio chegou a Portugal, o imigrante Leandro Diogo fez o que é recomendado a qualquer cidadão estrangeiro que decide fixar residência no país: submeteu uma manifestação de interesse junto ao SEF e a resposta obtida fez com que ficasse numa situação de legalidade provisória, conforme ditam as regras nacionais, ainda que a lei migratória imponha algumas condições a quem esteja nesse estágio de regularização.

Mesmo sem um título de residência oficial em mão, o imigrante brasileiro pôde procurar emprego e conseguiu um contrato numa barbearia como cabeleireiro, uma profissão que desenvolve desde que abandonou a carreira de jogador profissional, na segunda divisão, no Brasil.

O término de contrato na barbearia onde trabalhava coincidiu com o anúncio das autoridades migratórias portuguesas que a 13 de março lançaram o novo modelo de residência exclusivamente digital dirigido aos cidadãos da CPLP com manifestações de interesse entregues até 31 de dezembro de 2022. A residência é atribuída também aos que sejam portadores dos novos vistos consulares CPLP emitidos após 31 de outubro de 2022.

Mas assim que decidiu aderir ao novo sistema de atribuição de residência CPLP, colocou-se “no limbo”.

O Acordo de Mobilidade foi assinado pelos nove Estados-membros na Cimeira de Chefes de Estado e de Governo de julho de 2021 em Luanda, Angola, e foi ratificado por todos. Mas entrou em funcionamento a 01 de janeiro de 2022, inicialmente, com feitos somente entre quatro países da organização: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Portugal e Guiné-Bissau. Hoje a quase totalidade dos países lusófonos pôs em prática a livre circulação de seus cidadãos entre os Estados-membros da organização de língua portuguesa.

Em setembro, a Comissão Europeia (CE) avisou a Portugal que iniciou um “procedimento de infração” contra o país por causa das novas autorizações de residência para cidadãos da CPLP, lançadas em março.

Instado hoje pela Lusa, o Secretário Executivo da CPLP, Zacarias da Costa respondeu: “Julgo que Portugal tem as suas especificidades e desafios, cada um dos países tem os seus, mas é importante tirarmos as devidas ilações dos processos de implementação do Acordo de Mobilidade da CPLP,(…) por forma a podermos juntos trabalhar em soluções que possam servir os interesses dos nossos cidadãos”.

FOTO: Alex Grec
A realização de um encontro entre os representantes diplomáticos de Portugal no mundo é um tema que foi abordado num encontro entre Zacarias da Costa e o Diretor Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, de Portugal, embaixador Luís Almeida Ferraz, no passado dia 11 de outubro, na sede da CPLP, em Lisboa, já depois de ser conhecido o procedimento instaurado pela CE, diz a agência de notícias portuguesa.

Segundo o Secretário Executivo, a reunião com o diplomata Luís Almeida Ferraz foi pedida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e tinha como objetivo entregar-lhe um convite para intervir, em janeiro do próximo ano, na reunião dos embaixadores de Portugal no mundo.

Nesse encontro, será discutida a implementação do Acordo de Mobilidade em Portugal, adiantou o Secretário Executivo da CPLP, em declarações à Lusa que lembra o timing da realização do evento: essa reunião vai decorrer quase um ano depois de terem sido aprovadas pelo Governo português um conjunto de medidas, com base no acordo, e que tinham como objetivo, entre outros, criar condições atrativas para os cidadãos dos países lusófonos virem trabalhar para Portugal, onde a mão-de-obra escasseia.

“Naturalmente que aproveitámos para fazer uma avaliação da implementação do Acordo de Mobilidade nestes primeiros meses” em Portugal, acrescentou Zacarias da Costa. Quanto ao balanço da implementação do acordo em Portugal, Zacarias da Costa disse que “é positivo, muito embora, como é normal”, apresente “dificuldades”.

Questionado pela Lusa sobre se os vistos de residência CPLP emitidos por Portugal poderão estar a violar o espaço Schengen, Zacarias da Costa limitou-se a lembrar que as regras do Acordo de Mobilidade CPLP preveem a possibilidade de cada Estado-membro implementar este acordo sem violar as regras dos outros espaços a que pertencem.

Para a Comissão Europeia, Portugal não cumpre as obrigações europeias que “estabelecem um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros” e falha no Acordo de Schengen sobre livre circulação. Portugal foi por isso notificado do procedimento de infração e ficou agora com quase um dos dois meses que Bruxelas determinou para obter resposta à carta que enviou às autoridades portuguesas que devem corrigir as lacunas identificadas pela Comissão.

Adriano Malalane, advogado. FOTO: SIC ©️
Recentemente, o advogado Adriano Malalane, especialista em Direito Migratório, considerou que a Comissão Europeia “está a ser cínica” ao acusar Portugal de falha no Acordo de Schengen sobre livre circulação quando “não há base legal” para se considerar haver violação de acordo das regras europeias que estabelecem um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros.

“França já faz isso há muitos anos”, disse referindo como “isso” à concessão de vistos aos cidadãos das suas ex-colónias para circularem livremente no território francês.

Segundo Adriano Malalane, “os acordos da União Europeia permitem o que Portugal está a fazer. É uma falsa questão a Europa vir condenar Portugal por ter feito esta abertura em relação às suas antigas colónias”, garantiu o jurista em entrevista à rádio alemã DW ao falar sobre o diferendo que opõe Bruxelas.

As autoridades portuguesas rejeitaram várias vezes quaisquer incompatibilidades com as normais europeias nessa matéria.

“Estamos absolutamente convencidos da legalidade [do acordo de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)] e da sua não contrariedade com o Direito da União Europeia, caso contrário não o teríamos negociado e assinado, e esta Assembleia da República não o teria aprovado e o Presidente da República não o teria ratificado”, disse o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, durante uma audição na comissão parlamentar de Assuntos Europeus, uma posição igualmente defendida pelo primeiro-ministro português, António Costa, que também é jurista de formação, e por Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal, Professor Catedrático e docente da cadeira de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Lisboa, onde deu aulas desde o ano letivo 1972/73 até assumir o cargo de chefe de Estado em 2016.

Há um sentimento de revolta no seio dos imigrantes tramados pelo novo sistema de residência CPLP. Por isso, o Comité dos Imigrantes de Portugal (CIP) lançou há dias uma petição a pedir que as autoridades migratórias portuguesas “devolvam a todos o direito de ter ou não a manifestação de interesse e que não obriguem os imigrantes a ter o titulo de residência CPLP sem opção”. O documento pode ser assinado aqui.(MM e Lusa)

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