O prémio Nobel da Paz-1996, José Ramos Horta, recebeu o Prémio Carreira, a principal categoria dos Prémios da Lusofonia 2019, numa gala em que ao antigo adjunto do secretário-geral da ONU, Carlos Lopes, foi atribuído o galardão Cidadania e ao artista brasileiro Martinho da Vila o Prémio Música.
José Ramos Horta, presidente timorense, entre 2007 e 2012, e com uma reconhecida carreira diplomática ao nível internacional, teve um papel preponderante no contínuo esforço para pôr fim a 24 anos de opressão então vigente em Timor-Leste durante a ocupação indonésia.
No seu discurso de agradecimento na 3ª edição da Gala dos Prémios da Lusofonia, José Ramos Horta considerou que o verdadeiro merecedor do galardão devia ser Xanana Gusmão, devido ao percurso político e de militância em prol do povo de Timor-Leste.
“Quem deveria estar aqui para receber este prémio não sou eu. Deveria ser Xanana Gusmão de novo, tal como em 1996 (quando recebi o nobel de paz) em Oslo”, pois “ele é melhor autor, intérprete da língua portuguesa”, considerou José Ramos Horta, assinalando o papel daquele é considerado um dos mais destacados ativistas pela independência e resistência timorense contra a invasão dos indonésios a Timor-Leste que começou em 7 de dezembro de 1975.
Segundo José Ramos Horta, desde há vários anos, quer enquanto chefe de Estado e não só, Xanana Gusmão tem lutado para a promoção da língua portuguesa em Timor-Leste, que já em 1975, “último ano da gloriosa colonização portuguesa depois de séculos, menos de 10 por cento falava português”.
Ramos horta lembrou que, em 2002, a língua portuguesa “era falada por menos de um por cento” da população timorense e, “hoje, estima-se estatisticamente em cerca de 30 por cento”.
“A nossa audácia foi que quando chegamos ao ano 2000/2001/2002, período de transição dirigido pelas Nações Unidas em Timor-Leste, tivemos que tomar decisão sobre línguas para o futuro, uma das poucas situações do mundo em que teve que haver um debate sobre a adoção de uma língua oficial, porque quando chegamos a 1975, último ano da gloriosa colonização portuguesa depois de séculos, menos de 10% falava português, o mesmo aconteceu em Moçambique”, disse o diplomata.
Mas foi após a ocupação Indonésia que durou 24 anos e, chegado o ano de 2002, quando menos de um por cento dos timorenses eram falantes de português, que houve um viragem assinalável em dois importantes campos políticos.
“A resistência timorense de líderes, liderada por Xanana Gusmão, decidiu reintroduzir o português, porque vimos que a língua portuguesa era um dos pilares da identidade. A língua portuguesa, religião católica trazida pela colonização portuguesa expandida durante a ocupação indonésia. Hoje, 98 por cento dos timorenses são católicos praticantes. A língua portuguesa, que em 2002 era falada por menos de um por cento, hoje estima-se estatisticamente em cerca de 30%. Timor independente mais Portugal pós-25 de abril fez muito mais pela língua portuguesa do que séculos da presença portuguesa”, afirmou Ramos Horta para justificar a necessidade da homenagem que deveria ser feita a Xanana Gusmão, que enquanto “grande poeta e intérprete” da língua portuguesa, “seria melhor” laureado com o Prémio Carreira da Lusofonia 2019.
Os Prémios da Lusofonia atribuídos este sábado representam “um momento de grande celebração da cidadania qualificada” da língua portuguesa e “do ideal da lusofonia”, segundo os organizadores do evento.
O antigo adjunto do secretário-geral da ONU, homenageado com o Prémio Cidadania, também considerou não ser a pessoa indicada para que recebe o galardão naquela categoria , porque essa deveria ser atribuída ao músico brasileiro Martinho da Vila.
“Este homem da Vila Isabel é bom representante daquilo que um prémio de cidadania deveria ser”, disse o académico guineense, justificando com o facto de além de ser, “de longe, o mais conhecido dos laureados”, Martinho da Vila é “o elemento fundamental para preservação de determinado tipo de lusofonia pela sua militância cultural, pela sua influência do tipo moderno, mas também carregada de afetos pelos seus 40 álbuns, 13 livros e muitas outras contribuições”.
“Portanto, eu sou lisonjeado com a cidadania, mas a cidadania pertence-lhe a ele primeiro”, disse o académico guineense Carlos Lopes, assinalando “a grande dificuldade e fortaleza da lusofonia”.
“É descontinuidade geográfica, que muitas vezes não nos permite ter aproximação, os contatos, as redes que são necessárias para poder fortalecer a amizade, o afeto, a cumplicidade. Mas é também essa descontinuidade geográfica que nos permite estar em muitas partes do mundo diferentes e nos permite integrar a lusofonia noutros espaços que são igualmente importantes para a difusão daquilo que é o nosso saber comum e da nossa cultura comum”, afirmou o sociólogo guineense.
Intervindo, o músico brasileiro Martinho da Vila manifestou- alegria pela atribuição do Prémio Música aos 81 anos dando a conhecer um sonho.
“É um momento de grande alegria e muita felicidade porque a premiação tem uma força estimulante em que o homenageado continue em busca dos sonhos coletivos. É sonho ver um dia a música e a poesia sobreporem-se às armas na luta por ideais e preconizar a lusofonia, diplomacia universal”, disse Martinho da Vila.
Na 3ª edição da Gala Prémios da Lusofonia também foram agraciados algumas das personalidades que, na área da lusofonia, mais se destacaram nos últimos tempos, na Educação (a docente são-tomense Inocência Mata), literatura (a escritora angola Djaimilia de Almeida).
O prémio Ação Empresarial foi atribuído à empresa portuguesa Mota-Engil, enquanto para a categoria Ambiente foi laureada a bióloga angolana Adjany Costa, que recentemente venceu o Prémio Jovens Campeões da Terra para África, atribuído pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) pelo empenho na proteção do ambiente.
O Prémios da Lusofonia 2019 para área das Artes Plásticas foi para Adriano Fagundes, enquanto Pedro Pinto vencido o Prémio Moda e Estilismo, tendo Prémio Teatro Cinema ido para o FESTIN – Festival de Cinema Itinerante de Língua Portuguesa, que tem como tem como missão a difusão e o desenvolvimento do cinema nos países lusófonos.
Já cientista portuguesa que, há quase duas décadas, investiga a malária, recebeu o galardão referente ao Prémio Ciência e Saúde da Lusofonia, que, este ano, também atribuiu o Prémio Comunicação Social à jornalista portuguesa Teresa de Sousa.
A Associação Cabo-verdiana foi a organização vencedora do Prémio Associativismo do Prémio, enquanto o Restaurante Zambézia, participado pelo Estado moçambicano, foi-lhe concedido o Prémio Gastronomia. (MM)