Manuel Matola
A lei sobre o repatriamento coercivo de capitais assinala esta quinta-feira um ano de existência desde a sua aprovação pelo Parlamento angolano a 21 de novembro de 2018. O jornal É@GORA entrevistou Jonuel Gonçalves, economista e investigador visitante do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE/IUL, que falou sobre a principal aposta da governação do presidente angolano, João Lourenço: fazer regressar sem penalizações todas as verbas investidas ilegalmente fora de Angola.
Jonuel Gonçalves é dos imigrantes mais respeitados pela diáspora angolana e não só, enquanto analista de assuntos económicos e políticos africanos na RDP-África.
Na entrevista ao jornal É@GORA, o docente de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (no Rio de Janeiro, Brasil) apresenta propostas de solução para que o Estado angolano tenha sucesso naquela que atualmente é uma das maiores batalhas internas entre angolanos, depois do mais longo e sangrento conflito armado que durou 30 anos, que eclodiu logo a seguir ao fim da guerra colonial pela independência alcançada a 11 de novembro de 1975.
A 21 de novembro de 2018, os deputados angolanos aprovaram, sem votos contra, uma lei sobre o repatriamento coercivo de capitais. O diploma previa um período de seis meses (26 de dezembro do mesmo ano) para que os cidadãos, a que o João Lourenço apelidou de “Marimbondos”, trouxessem dinheiros aplicados no estrangeiro de regresso ao país. O prazo findou, nenhuma figura política ou de outra área se manifestou. A lei vigora e a batalha prossegue.
Após 44 anos, era essa a independência que se previa para Angola?
Não, não era essa a independência que se previa, nem desde o começo. Nunca se previu que a independência levasse a uma divisão inicial de Angola, nem nunca se previu que a independência transformasse Angola num terreno de luta da Guerra Fria e nunca se previu que a independência de Angola fosse seguida de 30 anos de guerras internas. Também nunca se previu que a classe política praticasse um tipo de gestão baseada no desvio dos fundos públicos. Bastam esses dois aspetos para nós dizermos que neste aspeto foi um falhanço muito grande.
Agora vamos lá aos aspetos positivos, que nós sempre andamos à procura deles, quer sejam forçados ou não, o facto é que – do ponto de vista dos setores democráticos do país -, nós consideramos que obtivemos duas vitórias: uma contra o colonialismo e outra contra o sistema de partido único. Contra o colonialismo foi no 11 de novembro ou um pouco antes até de 1975. E contra a noção do partido único, que é uma noção que era não só o MPLA que tinha. Os outros dois (UNITA e FNLA) também tinham foi então com as eleições de 1992. Portanto, foram duas vitórias que foram sendo sistematicamente esmagadas justamente por uma caraterística principal que era a corrupção e o descaso com a situação social da população. Então, nós temos avanços políticos muito importantes, aos quais não correspondem nem ao avanço económico, pois o país não diversificou a sua economia, tem a economia menos diversificada do que no tempo colonial. E do ponto de vista social, se as humilhações racistas, a discriminação e tudo isso passou, ficou um nível de vida muito baixo. Angola com os recursos que tem não pode estar na posição que está no Índice de Desenvolvimento Humano. Isso hoje com 44 anos de independência é uma constatação. A gente não pode dormir nem ficar a dormir em cima disso. A História faz-se assim. Um Estado leva, às vezes, séculos para se construir. É no longo prazo que se constrói um Estado. Então, nós temos que ir corrigindo esses desvios o máximo possível e daqui para frente tentar corrigir.
Há um ponto que me parece importante de há dois anos para cá, é a luta contra a corrupção. E a corrupção baixou bastante. Por outro lado, é a luta pela extensão pelas liberdades democráticas. Também conseguimos isso nesses últimos dois anos. Agora falta outra coisa, que é o investimento para desenvolver economia com efeitos a nível social. Este é o desafio para os próximos anos.
Diz que a corrupção baixou bastante. Olhando para aquilo que é o principal objetivo do atual presidente João Lourenço – repatriar capitais – e até hoje nunca se ter conhecido uma figura política angolana que tenha trazido de volta os capitais, isso é um ganho?
Não, portanto, esse faz parte do desafio para frente. Se Angola, neste momento, apresenta uma grande caraterística em termos económicos é o défice de capitais. Em capital internacional temos um fluxo negativo de 5.7 mil milhões de dólares nos anos 2017/18. Isso significa que sai mais dinheiro do que entra. Ora, o que temos que fazer, neste momento, é muito investimento e não há dinheiro para investir. É esse capital que é interessante que volte. É esse capital que tem que voltar, ou seja, o défice do capital foi provocado não só por corrupção, porque isso há em muitos países. Mas corrupção com exportação de capital. O capital saiu do país e isso são uns largos biliões de dólares. Quando eu digo que temos um desafio pela frente, temos que ter os meios para executar esse desafio. Ou esse dinheiro volta, ou vamos demorar mais de 50 anos para corrigir a situação.
O que está a falhar, uma vez que foi aprovada uma lei de repatriamento de capitais?
O que está a falhar é que essa lei tem que ser seguida de uma negociação com os detentores desse capital e uma negociação com os países onde está esse capital, porque a lei é uma lei angolana que não tem efeito no exterior. E o dinheiro roubado não está em Angola. Está fora de Angola, em paraísos fiscais, estão nalguns países que são conhecidos, mas nós estamos convencidos hoje que a maioria está em paraísos fiscais, onde é muito difícil chegar lá através das leis nacionais. Mas algumas leis nacionais podem ser utilizadas. A diplomacia angolana tem que ter capacidade de negociar com diversos países no sentido de os convencer de que esse dinheiro foi desviado, é ilegal e que o regresso desse dinheiro é bom para Angola e para esses países também, porque vamos ter mais relações económicas com eles. Nós estamos em contração de importações nesse momento.
Angola tem uma relação muito próxima com Portugal, por razões históricas. Qual tem sido o posicionamento de Portugal no que diz respeito ao repatriamento de capitais?
Bom, eu ouvi uma declaração do primeiro-ministro (António Costa) a dizer que Portugal não ia acolher capital que fosse delinquente e que mesmo garantindo o funcionamento do sistema bancário português ia colaborar com Angola. Os Estados Unidos da América também, inclusive disseram que o FBI iria fazer investigação sobre capital ilegal que tivesse, por alguma forma, passado dos EUA.
Penso que com esses países se pode chegar a algum acordo. É claro que tudo isso é bastante longo. O que seria interessante neste momento era que aquele grupo, que é um grupo de algumas dezenas de pessoas, – não é um grupo muito grande – que fez essa acumulação de capital delinquente, como dizemos em Economia, chegasse a conclusão de que tem interesse em investir em Angola. Portanto, o governo tem que demonstrar que eles têm interesse. E infelizmente a História faz-se assim, quer dizer, a gente vai ter que conversar com aqueles que cometeram crime. Isso é uma coisa que estou convencido que não há outra saída para essa situação para uma parte do capital. Logicamente que ao fim de um certo tempo começam a ser necessárias medidas coercitivas, que é queixa internacional, queixa nos tribunais, tentar obter o dinheiro por via e ordem judicial e isso implica negociação com os diversos países.
O volume de capital de Angola em diversos países europeus e talvez mesmo alguns países latino-americanos, suponho o Brasil, é um volume suficientemente grande para se for retirado ameaçar alguns bancos e isso é um problema para os países onde o dinheiro está.
Angola tem alguma saída em termos jurídicos, olhando para as leis internacionais?
Em termos jurídicos tem. Por exemplo, a França abriu um grande precedente dos chamados ´bens mal adquiridos`. O julgamento, por exemplo, do filho do ditador da Guiné-Equatorial basear-se muito nisso e demonstrar que esse dinheiro foi roubado ao país.
O grande capital internacional não tem interesse no desvio de dinheiro. O FMI e o Banco Mundial estão com muita vontade que Angola recupere esse dinheiro. Portanto, desse ponto de vista, é uma espécie de garantia. A questão é convencer os diversos países de que têm que tomar essa decisão em relação ao seu sistema bancário. A Suíça já não tem medo de fazer isso. Mas eu tenho impressão de que Portugal ainda tem medo de fazer o levantamento do qual é o montante do capital de Angola que está aqui, qual é que é o legal e o ilegal, tenho impressão de que Portugal não fez essas contas. Mas não é só Portugal que não fez. A Espanha não fez também. E se houver dinheiro, por exemplo, em algum ´offshore` – há um nas ilhas britânicas, as ilhas virgens de Maina, que inicialmente devolveram 500 milhões de dólares, que não é nada, de um acordo mal feito em cima da hora, que um tribunal britânico aceitou devolver – isso é um bom precedente. É saber jogar nisso tudo.
É claro que não estou no segredo das negociações diplomáticas, mas a prioridade para a nossa diplomacia económica, neste momento, não é fazer bons contratos para encontrar bons fornecedores nem bons mercados, é encontrar as vias de recuperar o capital que foi desviado, os ativos que saíram para o exterior.
Angola vai assumir a presidência rotativa da CPLP em julho de 2020. A CPLP tem alguma influência no processo de repatriamento?
Por aí não vai. A CPLP não tem influência económica nem financeira nenhuma, até porque os países membros da CPLP estão em estruturas económicas muito diferentes.
E João Lourenço tem agora alguma alternativa relativamente à diversificação da economia?
Se não tiver capital não tem. Não pense que eu sou um tecnocrata. A tecnocracia, às vezes, é elogio, mas não é. É acusação. Não tenho uma visão assim: ´tudo se resolve em termos de cálculos técnico`. Não. Tem apoios políticos, construções sociais e tudo mais. Eu penso que nesse momento, realmente, estamos dependentes do capital. Não é desculpa. Ou se investe para se diversificar a economia, ou não se investe e fica estagnada. Neste ano, vamos estar outra vez em recessão.
E o petróleo não vai ajudar?
Não, o preço do petróleo está muito baixo e uma parte (do dinheiro proveniente da venda) do petróleo já está comprometido para pagar dívida. Atenção que 52 por cento do nosso Orçamento é pagar dívida, ou seja, ativo está a 48 por cento do Orçamento.
Isso pressupõe, em parte, que Angola deva recorrer a doadores internacionais?
Angola está a recorrer e tentar fazer novos empréstimos, o que é realmente perigoso porque vai aumentando a dívida, isso faz-se muito: contrair um empréstimo para pagar o empréstimo anterior. Recorreu-se um pouco a China, ao Brasil, que até já parou agora e depois tentar ir aos mercados de capitais onde nesse momento é muito caro ir. Vender títulos de um país como Angola só pagando remunerações de 10 por cento, o que é uma loucura. Eu estou muito preocupado com o ano 2020 por causa disso. (MM)