Manuel Matola
A brasileira Laresca Tauane cruzou-se hoje, “por acaso”, com uma multidão na Praça do Comércio em Lisboa e descobriu que afinal eram imigrantes que se manifestavam contra um problema que também a aflige há dois anos: o lento processo de agendamento no SEF, envolto em alegada “máfia e muita corrupção” que inclui advogados.
E, em declarações aos jornal É@GORA, resumiu aquilo que é a sua preocupação e a dificuldade dos amigos com quem partilha a casa arrendada por igual para ficar mais acessível. “O problema da legalização do SEF existe. Eu e os meus amigos passamos por isso há dois anos e meio. A minha manifestação de interesse foi cancelada há um ano e agora estou a refazer. Os meus amigos ficaram nove meses à espera que o SEF aprovasse de novo”, disse, contando o resto da sua história pessoal.
As autoridades migratórias “disseram que o meu contrato não era válido, mas era um contrato normal”, até porque expirava no mês a seguir. “Eu fiz o contrato, estava à espera do número da segurança social sair, saiu e quando eu finalizei – tinha feito o contrato há uma semana – o SEF disse-me que (o contrato) não era válido. Hoje estou na luta também para isso”.
E o “para isso” que Laresca Tauane se refere é o agendamento que está a causar desespero aos 233 mil dos 692.095 imigrantes residentes em Portugal que há anos tentam conseguir legalização junto do SEF. Quase todosm têm a manifestação de interesse feita mas são poucos os que conhecem o desfecho dos seus processos.
A indefinição do SEF teve um impacto direto na vida pessoal daquela imigrante brasileira: “Tem muito trabalho que eu não consigo por causa da legalização. Então tenho que me sujeitar a 12, 16 horas de trabalho para conseguir um contrato. Eu já estou cá há dois anos. É muito difícil o pessoal da restauração dar um contrato e pagar como deve ser. Acabo trabalhando mais e não recebo um ordenado mínimo”, denuncia.
A atuação do SEF no processo de legalização é mais do que uma simples lentidão e burocracia das instituições públicas em Portugal. “Há máfia aí. Eu paguei advogados portugueses. E o SEF sabe que há muita corrupção”, diz o paquistanês Mu-haweld Kueasawan, que está em Portugal desde 2019, mas hoje enfrenta problemas económicos por falta da documentação e devido à precariedade que se assiste na área da restauração sobretudo depois da eclosão da Covid-19 que atingiu fortemente o setor.
Atualmente, o jovem paquistanês trabalha sem contrato e em regime de part-time e olha para essa situação como sendo ato de solidariedade do proprietário do estabelecimento onde por ora dá para arranjar algum para sobreviver em Portugal.
“Se eu tiver o título de residência qualquer um me dá emprego”, diz convicto, embora reconheça o dilema que é a sua vida atual: sem legalização não pode sair de Portugal, porque não terá a oportunidade de voltar, mas se continuar na mesma situação permanecerá distante da família que não vê há cinco anos desde que começou o seu processo migratório.
“A minha última esperança é ter o documento do SEF”, diz sobre aquela instituição migratória de quem continua à espera de uma resposta favorável depois de ter enviado mais de meia centena de emails, todos sem sucesso.
O último email que “enviei foi em agosto e já vai quase um ano”, lamenta em declarações ao jornal É@GORA numa conversa entrecortada por gritos dos demais imigrantes que, em uníssono, lançam palavras de ordem: “Não mais espera”, até porque os que estão nesta situação exigem “residências para todos”.
Aos 34 anos, o angolano Manuel Sisse viu a sua vida paralisada em Portugal, onde paga impostos e desconta para a segurança social há ano e meio, por falta de uma resposta do SEF que não lhe permite fazer qualquer plano com a esposa que deixou em Angola juntamente com os filhos.
“Estou ilegal. Quero ficar legal”, diz o imigrante angolano que fala sobre o número de vezes em que não conseguiu ter uma vaga para o agendamento automático dado que “o SEF abre por apenas 15 minutos” quando Manuel Sisse está em pleno horário de tabalho.
O desespero de Manuel Sisse é partilhado pelo compatriota e amigo também angolano Malungo Pedro, de 43 anos, que esteve em frente à Assembleia da República para reclamar pela demora e contra os alegados “esquemas de corrupção” que se assiste no processo de agendamento no SEF, envolvendo até advogados e pessoas singulares.
Há três meses a morar em Portugal, Malungo Pedro admite que a situação ainda pode demorar, por isso, mais do que reclamar por uma lentidão foi à manifestação para ajudar aos “irmãos que estão à frente” na fila do SEF.
Em junho, aquela instituição avançou à Lusa que as vagas para atendimento aos imigrantes que têm processos pendentes estão “totalmente preenchidas até 30 de outubro” e não existe previsão de abertura de novas vagas.
“Se os meus irmãos forem atendidos mais cedo, o meu problema fica resolvido”, diz ao jornal É@GORA o imigrante, atualmente desempregado e pai de três filhos que estão em Angola.
O ´grito de ipiranga` que os imigrantes em Portugal lançaram hoje em dois protestos que decorreram simultaneamente nas cidades de Lisboa e do Porto é o culminar das várias tentativas que a brasileira Juliet Cristino e outos membros da Comissão dos Imigrantes em Portugal para a Liberação da Residência enviaram, sem sucesso, ao primeiro-ministro português, António Costa, e ao próprio ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que responde pelo pelouro da imigração em Portugal.
Na primeira carta,os proponentes da missiva justificaram as razões do envio carta. “Estamos deprimidos, ansiosos, estressados. Estamos quebrados. Não é apenas o Covid, nos impondo um confinamento por todo este tempo, mas é também o SAPA – Sistema Automático de Pré-Agendamento do SEF, que de automático não tem nada”.
Face ao silêncio das autoridades portuguesas e a falta de uma resposta de solução do SEF, enviaram um segunda carta em que apelavam por uma resposta urgente, afirmando não saberem o que é pior: “se é a Covid-19 ou esse desespero para conseguir agendamento no SEF”, isso porque os imigrantes estão a passar “por momentos muito difíceis sem Residência”, quando “todos já têm a manifestação de interesse” e não conhecem nenhum desfecho dos processos. Não tiveram resposta.
Por isso, o quarteto de imigrantes decidiu convidar os demais imigrantes para a partir da Praça do Comércio, em Lisboa, se deslocarem até ao Palrmento onde, de forma simbólica, enviaram uma mensagem aos deputados, apesar de as instalações estarem encerradas este domingo. Já no Porto, a manifestação foram na praça dos Aliados.
Em declarações ao jornal É@GORA, Juliet Cristino, considerou a manifestação de “positiva”, reconhecendo, no entanto, que a presença de pouco mais de duas centenas de imigrantes esteve aquém do expectável. A organizadora da manifestação atribiu a ausência de “muito mais imigrantes” na manifestação ao “medo de enfentarem o SEF” dado que continuam em situação irregular no território português, devido à demora do processo de agendamento envolto em “máfia”.
Por isso, adiantou: “Se não houver resposta do governo, vamos manifestar em todo o país”. (MM)
Querem que os que têm documentos, vistos e contratos falsos e nem estão em Portugal se legalizem facilmente? Claro que os honestos têm de esperar que se separem e retirem os vigaristas que entopem as listas de espera.