Manuel Matola
Pelo menos 59 cidadãos foram sinalizadas como vítimas do crime de tráfico de pessoas em 2020, das quais 27 são de nacionalidade indiana, que, entretanto, foi a comunidade estrangeira que mais cresceu em Portugal no ano passado, ocupando agora a nona posição à frente da angolana e guineense.
O Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA) divulgado esta quarta-feira pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) refere que os indianos totalizam agora 24.550 cidadãos, sendo que o Brasil e o Reino Unido ocupam os lugares cimeiros das nacionalidades em Portugal, onde residem 662.095 cidadãos estrangeiros, o valor mais elevado registado desde o surgimento do SEF em 1976.
Este crescimento é acompanhado, entretanto, pela ocorrência, sobretudo, do tráfico de seres humanos, uma das criminalidades com maior expressão na listas das tipologias de crimes associados aos fenómenos migratórios, que inclui o auxílio à imigração ilegal e o casamento ou união de conveniência.
No entanto, “verifica-se em 2020, que relativamente ao tipo de exploração, é a laboral que continua a ter maior incidência em Portugal”, aponta o documento do SEF que, no ano passado, “sinalizou 59 vítimas associadas ao crime de tráfico de pessoas, constituindo as nacionalidades mais relevantes a indiana (27), a paquistanesa (10) e a romena (6)”.
Apesar deste registo, houve uma diminuição em 31,4% de casos face a 2019, quando foram detetadas 86 vítimas.
Mas a “verdadeira dimensão do fenómeno é algo que ninguém conhece”, segundo reconheceu numa entrevista recente ao jornal É@GORA a Chefe de Equipa do Observatório do Tráfico de Seres Humanos em Portugal, Rita Penedo, que fez uma análise das tendências e dinâmicas, assim como a importância da monitorização do problema no país.
Em algumas regiões de Portugal, nomeadamente o Algarve e Alentejo, há episódios que se repetem nesse âmbito, tal como a de um casal de estrangeiros que recentemente teve um desfecho diferente se comparado com os vários casos de tráfico humano.
O caso desenrolou-se assim: Um casal de empresários, ele de 77 anos, e ela de 57, criou um empreendimento turístico no Alentejo e passou a contratar imigrantes: primeiro, veio o homem que, tendo gostado de Portugal, optou pelo reagrupamento familiar, juntando-se-lhe assim a mulher e o filho de 21 anos, que tinham delineado um objetivo comum: refazerem sua vida naquela região do território português.
De início, o casal trabalhou na construção e manutenção no empreendimento turístico onde os próprios patrões teriam a sua casa. Mas nem tudo correu bem: em dezembro de 2019, o SEF lançou uma investigação na área e descobriu que afinal o casal contratado e o filho acabaram por ficar na total dependência dos empregadores que os sujeitavam a exigências crescentes, impondo, por exemplo, horários de trabalho excessivos, sem direito a folgas e sem o pagamento das condições salariais acordadas.
Tempos depois foi deduzida acusação contra um homem e a mulher estrangeiros, de 77 e 57 anos de idade, respetivamente, e contra uma empresa de que o primeiro é proprietário, pela prática dos crimes de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra ilegal.
A acusação do Ministério Público da Comarca de Grândola seguiu-se a uma investigação denominada “Espace”, onde foram identificadas três vítimas de tráfico de seres humanos de nacionalidade estrangeira – esse casal, ele de 46, a mulher de 40 anos e o filho de 21 anos -, angariados no seu país de origem, para trabalharem para os arguidos sem obedecer aos formalismos legais necessários para o efeito.
Mas havia mais vítimas de tráfico a trabalhar na área da construção e manutenção do empreendimento turístico.
“Os arguidos recrutaram, ainda, outros trabalhadores estrangeiros em situação irregular em Portugal, aproveitando-se da sua situação precária e vulnerável” dos imigrantes, segundo uma nota divulgada em maio último pelo SEF.
A ação operacional para cumprimento de mandados judiciais foi realizada pelo SEF em outubro de 2020, sendo um dos arguidos sujeito a prisão preventiva, transformada mais tarde em obrigação de permanência na habitação. (MM)