SEF: O desânimo de quem esperou um ano por reagrupamento familiar e… o princípio da incerteza

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Manuel Matola

A imigrante brasileira Ana Vieira ligou mais de quatro mil vezes para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) desde o anúncio, terça-feira, da disponibilização das “1.430 vagas livres” para o reagrupamento familiar este mês de outubro.

“Não fui atendida”, diz ao descrever ao jornal É@GORA o silêncio que domina nos telefones do SEF que quase sempre chamam sem respostas.

No seio da comunidade migrante em Portugal, reina, sobretudo esta semana, sentimentos contraditórios.

O brasileiro Jair viu a filha ser impedida de prosseguir a terapia fonoaudiológica e ocupacional, para reabilitação da comunicação, que fazia num centro de saúde porque a menor está irregular.

A filha, de dois anos, é também asmática. Os pais vivem na incerteza, não só “por (a criança) não ter residência”, como pela decisão do não atendimento. O centro terapêutico “não quer mais fazê-lo porque o seguro social negou-lhe quatro vezes”, diz Jair.

“É difícil a gente ter médico de família porque a minha mulher e a minha filha não têm residência”, revela o imigrante, cuja família luta pelo reagrupamento familiar mas até agora nem sequer sabe quando o terá.

Não há exceção para a opacidade das informações sobre o atual estágio de agendamento para reagrupamento familiar no SEF. Desde o simples cidadão estrangeiro aos advogados da área da imigração, quase ninguém dá certeza de ainda existirem vagas ao fim de aproximadamente uma semana.

Pelo meio, há quem se aproveite, denuncia Ana Vieira numa mensagem deixada na página do Instagram do jornal É@GORA onde solicita que a publicação virada integralmente para a temática da imigração em Portugal faça uma matéria jornalística sobre a dificuldade que os imigrantes estão a enfrentar quando tentam contactar o SEF.

“Existe uma máfia de venda de vagas”, pois há “pessoas que oferecem os serviços nas redes sociais”, diz a imigrante Ana Vieira sobre a prática de procuradoria ilícita.

A advogada Valentina Oliveira alerta para o impacto da falta de informação sobre o que está acontecer no SEF: isso levanta suspeições também no meio da classe jurídica muitas vezes acusada de se estar a aproveitar da situação para lucrar.

“É uma coisa frustrante”, considera, defendendo-se. “Isso não procede. E, além de não proceder”, a acusação aos advogados “é uma coisa frustrante porque há anos estamos aqui aguardando para poder fazer reagrupamento de pessoas e crianças que estão irregulares cujos pais estão ansiosos porque têm outros objetivos e não conseguem serem atendidos pelo SEF”, diz a jurista brasileira que também tem feito várias tentativas de contacto ao SEF, embora muito menos em comparação as que Ana contabilizou num espaço de 24 horas.

“A gente faz mais de mil ligações e não consegue sequer um atendimento”, lamenta sobre abertura de vagas na madrugada de terça-feira que já à tarde do dia seguinte aparentemente não mais havia.

“É muito frustrante. Infelizmente o nosso governo (português) tem aberto as portas para os imigrantes, mas ele não tem estrutura nenhuma para poder dar melhor suporte para as pessoas migrantes. Então, infelizmente, isso é muito frustrante”, reafirma.

A falta de esclarecimento sobre um processo de reagrupamento não é nova. Após um ano sem qualquer agendamento, só no início da semana é que o SEF voltou a lançar as mais de mil vagas para essa modalidade.

A cabeleireira Sónia Gomes dedica hoje parte considerável do seu tempo nas redes sociais e telefonicamente a fornecer informações corretas e responder questões lançadas diariamente por quem queira tirar dúvidas sobre qual a documentação necessária para apresentar no SEF no ato de agendamento para trazer a família a Portugal.

Mas desde terça-feira quando o SEF anunciou as vagas, Sónia Gomes teve uma resposta diferente e daí concluiu.

“Isso é treta”, pois “estes telefones não estão a funcionar”, denuncia Sónia Gomes apontando para o 21 715 5000 como um dos números do SEF que nunca atende quando a própria imigrante liga de um dos seus aparelho de trabalho.

“O meu (telefone pessoal) quando liga (para o SEF) já cai direto na música”, diz Sónia Gomes, referindo-se a instrumental que se ouve como aviso de chamada em espera.

Diante da situação, avisa: “Vou pôr uma petição pública” para denunciar o que está a acontecer.

Nas redes sociais já há quem defenda a realização de uma manifestação dos imigrantes contra o SEF no próximo mês. Entretanto, a instituição responsável pela legalização dos imigrantes vai ser oficialmente extinta no próximo dia 29 de outubro para dar lugar a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Na quarta-feira, a brasileira Sónia Gomes contactou pessoalmente a direção do Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes, mas do encontro quase ninguém dá garantias de nada: nem sobre o normal processo de título de residência, muito menos sobre os vistos CPLP e agora os telefones que não atendem para os imigrantes que pretendem fazer o reagrupamento familiar.

“Não sabem dizer nada”, afirma ao jornal É@GORA Sónia Gomes que, num espaço de aproximadamente 72 horas não cessa de contactar o SEF. No entanto, sem sucesso.

A imigrante Dayse chegou com filha a Portugal em dezembro do ano passado para se juntarem ao marido que já vive em Portugal desde setembro de 2022, transferido pela empresa. Até hoje não conseguiu o reagrupamento familiar.

“Já perdi inúmeras oportunidades de trabalho, também não posso fazer cursos e até mesmo estamos sem Registro de Utente, pois ainda não temos Cartão Cidadão, tudo isso porque não conseguimos contato com o SEF”, conta numa mensagem por escrito ao jornal É@GORA.

A situação de Frank é quase desânimo total de quem esperou um ano por reagrupamento familiar e hoje vive o princípio da incerteza, segundo descreve telegraficamente o imigrante numa mensagem enviada ao jornal É@GORA.

“Estamos há um ano e dois meses tentando reagrupar esposa e filhos. Impedidos de exercer direitos mesmo tendo-os”, resume.

“Perdi minha manifestação, não há vagas para reagrupamento e não tenho nem CPLP”

A brasileira Marcilene Barbosa Mendonça vive num mundo de indefinição do processo migratório em Portugal e resume a situação em poucas palavras.

“O descaso é grande”, diz ao jornal É@GORA explicando o que acontece com a sua família desde a manifestação de interesse feita pelo esposo em maio de 2020, portanto, há três anos.

“O meu esposo tinha feito a entrevista do SEF no dia 14 de junho de 2022, porém a residência só chegou dia 5 de Dezembro” do ano passado, mas este imigrante teve que levar o documento de volta ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras porque órgão o emitiu com erros: “Nem o número (do título de residência) eles tinham colocado”, garante Marcilene, lembrando que, enquanto esposa, esse erro de emissão teve impacto direto na sua vida: fê-la perder o reagrupamento do ano passado.

“Esse também é um descaso”, aponta, assinalando outro impacto direto da situação na sua vida.

Hoje “perdi minha manifestação, não há vagas para reagrupamento e não tenho nem CPLP”, assegura a brasileira, referindo-se ao modelo do título de residência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que vigora desde o passado 13 de março, dia em que o governo português lançou o novo modelo de residência exclusivamente digital dirigido aos cidadãos da CPLP com manifestações de interesse entregues até 31 de dezembro de 2022.

Em nota enviada há dias ao jornal É@GORA, o órgão fala das “1.430 vagas livres” para a modalidade de reagrupamento familiar (RF) na mais recente abertura de vagas que ocorreu este mês de outubro.

Este número corresponde a 3,75% de total de vagas anunciadas desde o ano passado e as ocupadas até setembro último, segundo os cálculos feitos pelo jornal É@GORA.

É que “durante o ano de 2022, foram ocupadas 27.054 vagas para Reagrupamento Familiar. Em 2023, foram ocupadas, até ao final de setembro, mais de 11 mil vagas. Na presente data [hoje, terça-feira, 10], existem 1.430 vagas livres para a modalidade de RF”, segundo refere o SEF em nota enviada jornal É@GORA.

Portanto, se por cada hora, 30 pessoas tiverem conseguido fazer a marcação para o reagrupamento via telefone, desde terça-feira, as 1.430 vagas terão levado aproximadamente dois dias (1,99) a ser preenchidas.

No entanto, o SEF lamenta que o crescente número de imigrantes que não se fazem presentes após agendarem o atendimento nos serviços migratórios.

“De salientar que nem todos os agendamentos são efetivados”, denuncia o SEF exemplificando: “No que concerne ao período de janeiro a setembro de 2023, verificou-se a não comparência nos balcões de atendimento do SEF de 1.398 cidadãos estrangeiros, sendo que outros 115 cancelaram o respetivo pedido, o que corresponde a mais de 13% de marcações que, não obstante terem sido agendadas, não foram concluídas”. (MM)

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