Manuel Matola
O Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o diploma sobre o regime de transição de trabalhadores do SEF e o de criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, que em outubro irá substituir a parte administrativa do SEF, mas o chefe de Estado português reconhece que a nova agência arrancará “com dificuldades”, uma preocupação manifestada também pelo Sindicato dos trabalhadores não policiais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras .
Em breve vai ser criada uma comissão instaladora da nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo, que até outubro deste ano acompanhará o processo de extinção do SEF, uma agência onde aconteceu de tudo um pouco: a autorização a ter um sonho de recomeçar o processo migratório, o bloqueio à entrada de imigrantes cujos sonhos era pisar o território português e os casos de quem aguardando dois anos foram vítimas de “esquemas de corrupção” e se rebelaram contra o governo português.
“Quando chegarmos a outubro deste ano o SEF extingue-se na medida em que os seus funcionários são integrados nas outras forças, ou seja, em outubro deste ano ocorre o processo de extinção do SEF”, disse há dias aos jornalistas o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, um dia depois de o Presidente da República promulgar diplomas do Governo que substituem o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
“Não obstante as dificuldades que a Agência irá ter para gerir – nesta fase inicial – os processos de autorização de residência atualmente pendentes, mas procurando a continuidade a um processo já muito longo, com graves prejuízos para a imagem externa do País e para o acolhimento dos que nos procuram, o Presidente da República promulgou os diplomas do Governo que procedem à criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo, I.P., e que aprova o regime de transição de trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”, segundo indica uma nota divulgada pela Presidência da República a 24 de maio.
O líder do Sindicato dos Funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SINSEF), Artur Girão, manifestou logo algumas reservas sobre a transferência.
Numa entrevista à Lusa, onde afirmou: “Há aqui algumas questões que não foram observadas durante a negociação, que não foram tidas em conta, mas globalmente” era aquilo que os seus colegas estavam à espera.
“Este diploma veio clarificar, mas as preocupações mantêm-se sobre a falta de trabalhadores e a indefinição sobre as funções que os elementos policiais vão assumir na nova agência”, exemplificou o sindicalista que considerou também que “há um retrocesso”, uma vez que “há a possibilidade de elementos da carreira de investigação continuarem na AIMA (a nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo)” e “a grande causa da criação da agência e da extinção do SEF” foi a separação das questões administrativas das policiais.
O diploma sobre o regime de transição de trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no âmbito do processo de fusão do órgão refere que os inspetores do SEF que atualmente estão em categorias superiores podem ser colocados durante cinco anos na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) após a extinção deste serviço de segurança.
“Aos trabalhadores das categorias de inspetor coordenador e inspetor coordenador superior da carreira de investigação e fiscalização do SEF [topo de carreira] que transitem para a carreira especial de investigação criminal da PJ é ainda aplicável o regime de afetação funcional transitória na AT”, refere o documento citado pela Lusa.
O desespero dos imigrantes
Mas, no meio destas alterações, há um impacto direto sobre a vida de milhares de cidadãos estrangeiros em Portugal que se consideram “no limbo” por não saberem se estão num estado irregular ou regular. A decisão do governo português, anunciada em janeiro último de apenas prorrogar a validade dos títulos de residência colocou boa parte das pessoas migrantes numa situação (não) legal no país, pois até hoje quase 200 mil cidadãos estrangeiros não detém autorização de residência, um documento que aguardam há quase três anos, desde 2020.
Em março, o SEF criou um portal para atribuir de forma automática autorizações de residência aos milhares de cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e estendeu o serviço aos imigrantes de países fora do espaço europeu, que seriam atendidos num Grande Centro de atendimento em Lisboa. Mas dias depois quando questionado pelo Jornal É@GORA, o SEF afirmou que o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, decidiu pelo adiamento da abertura deste pavilhão em Lisboa onde iriam fazer a regularização dos 300 mil imigrantes (quer dos países lusófonos e de fora do espaço europeu como Bangladesh, Índia, Nepal) com manifestações de interesse submetidas de 2020 até dezembro de 2022.
Pelo menos 110.240 imigrantes de países lusófonos já terão sido atribuídas Autorizações de Residências CPLP, mas o SEF continua a analisar parte dos “mais de sete mil” documentos de cidadãos que viram anulado a Manifestação de Interesse assim que optaram pela nova Autorização de Residência.
Na terça-feira, o SEF garantiu ao jornal É@GORA que vai começar, em breve, a atender os imigrantes de países fora do espaço europeu como Bangladesh, Índia, Nepal, que têm processos pendentes, mas a Autorização de Residência que estes cidadãos estrangeiros vão obter só permitirá que permaneçam em Portugal e não a circular no espaço Schengen, tal como acontece, por exemplo, com cidadãos brasileiros.
É que, recentemente, o Alto Comissariado para as Migrações disse em comunicado que “o titular de uma Autorização de Residência para Cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AR CPLP) não tem direito a circular livremente pelos países pertencentes ao Espaço Schengen”, pois o Acordo de Mobilidade da CPLP visa promover a livre circulação dos cidadãos dentro do Espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que não se confunde com o Espaço Schengen, do qual Portugal também é membro.
Em declarações ao jornal É@GORA fonte do SEF explicou pormenorizadamente o que isso significa: “O cidadão brasileiro pode”, mas todos os outros só “podem viajar desde que tenham visto de turista”, isso porque o Brasil tem acordos bilaterais com alguns países do Espaço Schengen que permite a mobilidade dos cidadãos até 90 dias, enquanto vários outros países não gozam desta prerrogativa, pelo que a AR (como o da CPLP) só permitirá que cidadãos originários de países como a Índia, Nepal e Bangladesh permaneçam em Portugal. Em caso de deslocação a outros países comunitários devem ir como turistas munidos de vistos desses países do Espaço Schengen.
Mas mesmo assim “ainda não há uma data” para o governo começar a atender migrantes de países como Índia, Nepal, Bangladesh…, mas “será em breve”, disse a fonte do SEF, dias depois de o Ministério da Administração Interna ter anunciado que as autoridades migratórias portuguesas estão a preparar uma resposta para legalizar cerca de 170 mil imigrantes oriundos de países fora do espaço europeu que haviam formalizado um pedido junto do SEF para obter uma autorização de residência.
Para trás, ficam registados os vários momentos em que associações pró-imigrantes lançaram o “grito de socorro” em relação aos atrasos no agendamento no SEF e realização de manifestação de centenas de imigrantes contra um órgão que mudou para sempre a vida de milhares de cidadãos de diferentes nacionalidades que lutam por uma legalização através de um processo de agendamento que outrora envolveu “esquemas de corrupção” num jogo que incluía até advogados e pessoas singulares que, usando ferramentas tecnológicas para amenizar problemas dos imigrante, vendiam sonhos e frustrações usando o nome de alegada pessoas influentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
A promulgação dos dois diplomas, um sobre o regime de transição de trabalhadores do SEF, e outro de criação da Agência, é o início do fim de uma agência que os imigrantes irão guardar na memória com travo agridoce. (MM)