Manuel Matola
O Ministério Público português acusou recentemente o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Lisboa, António Sérgio Henriques, que vai ser julgado num novo processo sobre a morte do ucraniano Ihor Homeniuk, mas agora António Sérgio Henriques quer um debate instrutório do processo. O MP já tem data para tal: 12 de setembro.
Segundo um despacho do processo, a que a Lusa teve acesso, o juiz Luís Ribeiro, do Tribunal Central de Instrução Criminal, deixou já a data marcada, após rejeitar todas as inquirições de testemunhas pedidas pelas defesas dos arguidos que apresentaram requerimento de abertura de instrução (RAI): António Sérgio Henriques, ex-diretor de Fronteiras do SEF, e Manuel Correia, vigilante do espaço equiparado a centro de instalação temporária (EECIT) do aeroporto.
“Como requerido, para a tomada de declarações aos arguidos Manuel Correia (requerente do RAI) e dos coarguidos João Agostinho e Cecília Vieira (não requerentes), obviamente, caso o pretendam, designo o próximo dia 12 de setembro de 2023, pelas 09:15. Caso termine a prova, seguir-se-á a realização do debate instrutório”, lê-se no despacho, que sublinha que a repetição do interrogatório às testemunhas ouvidas no inquérito seria um “ato manifestamente inútil”.
Ou seja, no dia 12 de setembro haverá um debate instrutório do segundo processo ligado à morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, em março de 2020, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa.
O debate instrutório é um momento importante durante um processo legal. É a ocasião em que perante o Ministério Público, o acusado e a parte que se sente prejudicada têm a oportunidade de conversar com o juiz. Os intervenientes falam sobre as provas disponíveis e discutem se há matéria suficiente para levar o acusado a um julgamento ou não.
Em 2020, o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk aterrou pela primeira vez no território português e foi morto no dia 12 de março daquele ano nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, na sequência de violentas agressões.
Ihor Homeniuk morreu por asfixia lenta, após agressões a pontapé e com bastão perpetradas pelos inspetores, que causaram ao cidadão ucraniano a fratura de oito costelas, segundo a acusação do Ministério Público (MP), que diz mais sobre a forma de atuação daqueles funcionários do SEF.
Terão deixado Ihor Homeniuk algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, com dificuldade em respirar durante largo tempo, o que terá causado paragem cardiorrespiratória.
António Sérgio Henriques – que foi afastado do cargo pelo Ministério da Administração Interna em 30 de março de 2020, na sequência da morte de Ihor Homeniuk – responde por denegação de justiça e prevaricação. Já os inspetores João Agostinho e Maria Cecília Vieira são acusados de homicídio negligente por omissão, enquanto aos vigilantes Manuel Correia e Paulo Marcelo são imputados os crimes de sequestro e exercício ilícito de atividade de segurança privada.
Quanto ao ex-diretor de Fronteiras do SEF, o MP entendeu que o arguido agiu “com o propósito concretizado de, com a sua conduta, omitir que os inspetores Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva procederam à algemagem de Ihor Homeniuk com as mãos atrás das costas e assim foi aquele deixado entre o período compreendido entre as 08:40 e as 16:40”.
Em relação aos inspetores Maria Cecília Vieira e João Agostinho, o MP concluiu que estes sabiam que o cidadão ucraniano estava algemado com as mãos atrás das costas durante oito horas e sem vigilância, não tendo comunicado isso aos respetivos superiores nem sequer retirado as algemas quando Ihor Homeniuk estivesse mais calmo.
Por último, o MP acusa os vigilantes Manuel Correia e Paulo Marcelo de imobilizarem Ihor com fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços, considerando que “agiram de mote próprio, sem ordem ou autorização para recorrer àquela forma de constrição de movimentos”.
O primeiro processo sobre a morte de Ihor Homeniuk resultou na condenação a nove anos de prisão dos inspetores do SEF Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada por ter resultado na morte da vítima.
Os três inspetores apresentaram-se na semana passada na prisão de Évora para cumprir os quase seis anos que ainda lhes restam, depois de terem estado desde 2020 em prisão domiciliária.
Na sequência da asfixia do ucraniano, o Estado português teve que pagar uma das maiores indemnizações da História de Portugal pela morte de um estrangeiro: desembolsou 800 mil euros à família do malogrado. (MM e Lusa)