Manuel Matola
O governo português decidiu prorrogar até 31 de março de 2022 a validade dos títulos de residência que expiraram em março do ano que está prestes a terminar, quando cerca de 57 000 imigrantes com Manifestações de Interesse (MI) já foram notificados para agendamento desde 2017.
Em resposta às perguntas feitas pelo jornal É@GORA, o Serviço de Estrangeiros e Fronteira esclareceu que “do total (57 000) já foram realizados 40 000 agendamentos” e “no momento o SEF está a notificar os cidadãos estrangeiros detentores de MI até 30 de junho de 2020”.
Só a contar desde o mês de novembro, cerca de 18 600 pessoas foram notificadas. Mas com o agravamento da situação pandémica em Portugal, o processo de legalização de cidadãos estrangeiros acaba de ganhar um novo ritmo.
Na sua mais recente decisão, o Conselho de Ministros indicou que “é prorrogada até 31 de março de 2022 a admissibilidade dos documentos e vistos relativos à permanência em território nacional cuja validade tenha expirado a partir da data de entrada em vigor do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou nos 15 dias imediatamente anteriores”.
Desta forma, os imigrantes cujos documentos expiraram à data têm assegurada a sua permanência em território nacional por mais tempo sem estar a violar a lei e enfrentar quaisquer constrangimentos. Mas não se trata de renovação, apenas extensão do respetivo prazo de validade, o que permite que a sua situação esteja legal em Portugal.
Esta é a segunda vez que as autoridades portuguesas prorrogam para além de um ano a validade para cada emissão ou renovação dos documentos que permitem aos cidadãos estrangeiros permanecerem em Portugal.
Mas há que ter atenção alguns pontos-chave desta decisão do governo português de alargar a validade dos títulos de residência.
Primeiro, concede aos imigrantes o direito de acesso a todos os serviços públicos, tais como Serviço Nacional de Saúde e apoios sociais, um direito que se estende também aos requerentes de asilo.
Entretanto, há algumas armadilhas na interpretação jurídica do diploma, tal como aconteceu aquando da entrada em vigor da primeira medida do género.
Em declarações ao jornal É@GORA, na altura, o advogado Adriano Malalane, especialista em Direito Migratório, alertou que nem todos os imigrantes poderiam beneficiar da extensão do prazo de validade dos seus documento, pois é sempre preciso ver se este tipo de decisão do governo aproveita as autorizações de residência que são válidas por um ano e que, entretanto, já caducaram.
E explicou como tirar essa dúvida. Por exemplo: Todas as autorizações de residência têm a data da sua emissão e de validade. O que a pessoa tem que fazer é o seguinte: pegar na sua autorização de residência a partir da data em vigor da lei e ver as datas de emissão e de validade. A pessoa fecha os olhos à data de validade e, caso a residência ainda esteja válida à data de hoje, faz um exercício mental sobre uma hipotética data em que o documento expira.
Na altura, o advogado dava exemplo com o mês de novembro, mas o jornal É@GORA decidiu aplicar o mesmo exemplo usando o mês de março para melhor entendimento da mais recente decisão governamental.
Ou seja: se a sua autorização de residência temporária foi emitida a 01 de março de 2020, pela lei que estava em vigor à data de emissão, o título era válido até 01 de março de 2021. Está lá escrito.
Mas com o novo decreto do Conselho de Ministros divulgado há dias significa que a mesma autorização de residência não vai caducar a 01 de março de 2022, mas a 01 de março de 2023, porque aquele prazo de um ano a contar da emissão é (na verdade de) dois anos. Portanto, aí onde diz válido até 01 de março de 2021 a pessoa passa a ler que está escrito 01 de março de 2022.
Contudo, admitindo a hipótese de a autorização de residência ter sido emitida a 28 de março de 2020 e caducado um ano depois, a 28 de março de 2021, é preciso saber como interpretar a entrada em vigor deste novo decreto: se o documento caduca ou não a 28 de março de 2022.
“Para isso, é preciso ler a lei até ao fim e tentar perceber se tem efeitos retroativos, porque caso a lei não se aplique retroativamente [significa que o diploma] não aproveita os títulos que já caducaram, porque valeram apenas por um ano”, frisou na altura o especialista em questões de direito de imigração, falando de uma situação relativa à primeira decisão do governo e que é aplicável para este novo decreto.
Na ocasião, o advogado garantiu, no entanto, que “dúvidas não existem em relação àqueles títulos que à data de entrada em vigor da lei ainda estão válidos”.
Aliás, quanto a esses, o entendimento “é pacífico. A Autorização de residência válida por um ano e que ainda está válida – vamos supor uma que saiu a 01 de janeiro deste ano, iria terminar a 01 de janeiro de 2021 -, automaticamente, passa a terminar a 01 de janeiro de 2022”, assegurou.
Porém, nem tudo poderá estar claro no diploma. É que o Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, prevê outras situações na sua redação atual. Exemplo, o novo regulamento considera válida por dois anos a autorização de residência contados da data da emissão do respetivo título e renovável por períodos sucessivos de três anos.
Adriano Malalane lembrava anteriormente que, apesar da interpretação desta situação ser “pacífica”, a renovação sucessiva “nunca é automática”.
“Vamos à hipótese inicial de 01 de novembro do ano passado: portanto, por força desta lei, a autorização de residência não vai caducar a 01 de novembro de 2020, mas em 2021. E, em 2021, vai ser renovada por três anos. Vai ser 2022, 2023 e 2024. Mas nunca é automática. A pessoa tem que agendar e ir lá, ao SEF. Quando eles renovarem vão dar [o título] por três anos”, referiu.
Aliás, “nenhum documento português tem renovação automática. Há um período previsto na lei pelo qual será renovado. Ao invés de ser renovado por dois anos como era na lei anterior, passa a ser renovado por três anos. É só isso, mas é preciso que o titular do direito de residência marque, se dirija ao SEF para que o seu título seja renovado”, disse.
E mais: Adriano Malalane recordou que, mesmo que o imigrante tenha o comprovativo de marcação, “o SEF vai continuar a exigir, do ponto de vista burocrático-administrativo, documentos que lhe permitam ter o título”, isto é, “todos os requisitos que são exigidos ao imigrante devem ser apresentados ao SEF no ato da renovação” da autorização de residência.
Embora a polícia migratória já não tenha “muita margem” para recusar a atribuição do título de residência, aquela entidade continuará a exigir todos os habituais documentos ao imigrantes, porque “no que diz respeito ao processo propriamente dito, no SEF nada mudou e não pode” mudar por conta das alterações introduzidas na sequência do Covid-19, alertou.
“A pessoa quando vai pedir o título de residência pela primeira vez, [as autoridades migratórias] dão sempre por um ano. Então, são esses que tinham o título válido apenas por um ano que vão aproveitar de mais um ano. Mas quem tinha o título válido por dois anos não vai somar mais dois anos e só voltar ao SEF passados dois anos. Não. Tem que voltar ao SEF no término dos dois anos para sair com um título já por três anos”, explicou. (MM)