Ser Mãe Imigrante no Brexit: Um testemunho

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Lectícia Trindade (Escritora)
Deixo um pequeno testemunho de como lido com o fato de ser uma Mãe imigrada (3 anos em Inglaterra) e tendo que lidar com as pressões e incertezas desta nova realidade sociopolítica, pelo que o país está a atravessar, que é o Brexit.

Sabemos nós que ser mãe já é, por si só, uma tarefa difícil. Quando a este papel, juntamos o fato de estarmos num país que não o nosso, com uma cultura completamente diferente da nossa, a situação torna-se ainda mais difícil.
Antes de ser mãe, eu e o meu companheiro já almejávamos vir para Inglaterra, para aperfeiçoarmos o nosso inglês e tentar encontrar melhores oportunidades profissionais. Quando a família aumentou, rapidamente, esta pretensão passou a realidade, uma vez que a vida que tínhamos em Portugal não era suficiente para satisfazer as nossas necessidades enquanto família numerosa (5 elementos).

Tínhamos muitos projetos que pretendíamos cumprir, mas que reparamos que aquilo que Portugal nos oferecia, na altura, não era suficiente para vermos os nossos projetos concretizados.

Surge então a decisão: vamos emigrar!

As migrações estão entre as situações que mais alteram a dinâmica de muitas famílias. Muitas têm que recomeçar do zero. Algumas até são compostas apenas pela mãe e os filhos. Se não é fácil gerir uma família monoparental no seu país natal, mais difícil se torna quando é num país novo, em que não se conhece ninguém e, em vários casos, em que existe uma barreira linguística.

A situação ainda pode (ou não) ser mais complexa quando a mãe imigrante que sai do seu “habitat natural” na esperança de dar um futuro mais risonho aos seus filhos, de repente, se vê num contexto político-social que pode ser desfavorável e incompatível com os seus objetivos: o Brexit.

Com o Brexit aprovado, muitos são os medos e incertezas de todos os imigrantes e, certamente, particularmente quando se é mãe: “Eu que estou sozinha com o meu filho, será que poderei cá continuar?… Eu que não sei falar bem o inglês, terei que voltar para Portugal?…Não estou a trabalhar porque não tenho com quem deixar o meu pequeno, o que irá acontecer comigo?”.

Essas e outras questões pairam nas mentes de muitas mães imigrantes.

Uma das grandes mudanças que se vai fazer sentir com o Brexit, é a diminuição da imigração. Nós, imigrantes, sentimo-nos com alguma incerteza sobre como será a nossa vida, a partir do início de Janeiro de 2021, mas com a certeza porém de que estando a trabalhar e com os documentos legalizados (à partida), não haverá nada que nos possa afetar na qualidade de imigrantes.

Existem ainda muitas questões por esclarecer relativamente ao Brexit, mas segundo artigo do site OBSERVADOR(fev 2020), existirão certos requisitos obrigatórios para os imigrantes, nomeadamente ter de falar inglês, ter qualificações académicas mínimas obrigatórias (ao nível do 12º ano) e uma oferta de emprego. Segundo o mesmo artigo, este sistema será aplicado a partir do início de 2021, quando acabar o período de transição após a saída do Reino Unido da União Europeia.

Filhos de imigrantes que nascem em Inglaterra, bem como jovens e crianças, que já residem no pais há alguns anos, não sofrerão grandes alterações com o Brexit, pois podem ter direitos no país.

Enquanto pais imigrantes, se eventualmente, tiveram o filho fora do território inglês, podem registar o filho como cidadão britânico, caso estejam a residir há, no mínimo, 3 anos antes do nascimento do filho, em Inglaterra.
Muitas das mulheres que têm filhos, quando imigram, se vêm obrigadas a estar em casa a tomar conta dos filhos, enquanto quem trabalha são os seus companheiros.

Outras, que imigram sem os seu companheiros, acabam por arranjar trabalhos precários porque, numa fase inicial, têm alguma dificuldade na legalização dos documentos, a barreira linguística e também o fato de não terem disponibilidade para trabalhar muitas horas – pois não têm com quem deixar os filhos – influenciam.
Existem alguns apoios financeiros que o Estado dá a crianças, mas é sempre necessário que aquela mãe, ou o seu companheiro, trabalhe para garantir o seu sustento.

No caso da maternidade, a falta de condições socioeconómicos, a falta de documentos legais e a falta de conhecimentos da língua, torna a imigração em Inglaterra mais difícil e complexa.

A situação irregular das mães imigrantes pode comprometer a sua integração no país de acolhimento e a desinformação faz com que não usufruam ou não lutem pelos seus direitos.

Ser Mãe Imigrante…

Ser mãe imigrante, muitas das vezes significa não poder partilhar momentos únicos da gravidez, ou mesmo da infância dos filhos, com familiares mais próximos;

Uma Mãe imigrante tem que ter a força e coragem suficientes para lidar com momentos em que necessita de ir urgentemente ao hospital e tem que o fazer sozinha porque, por vezes, o marido está num trabalho geograficamente distante e geralmente não tem mais nenhum familiar que a possa auxiliar.

Vivemos angustiadas quando encontramos na língua uma barreira, pois dificulta o nosso crescimento profissional ou mesmo a integração na sociedade.

Temos sempre aquele medo da criança não saber lidar bem com o fato de ter de aprender duas línguas em simultâneo (o que, por experiencia própria, digo que isso não é um problemas para eles, pois têm grande capacidade de aprendizagem de línguas). Aproveito para dizer que vejo muitas de nós, falantes da língua portuguesa, desistirem de falar com os filhos em português porque eles “estão mais à vontade com o inglês”. É algo que posteriormente irá prejudicar as crianças, pois antes de sabermos falar uma determinada língua, devemos dominar a nossa materna. É um desafio educar as nossas crianças de forma a terem um domínio da língua inglesa e, em simultâneo, estarem aptos para comunicarem verbalmente com os familiares em português. Não é de todo uma tarefa fácil, mas é algo que deve ser trabalhado para não se perder.

És mãe, o teu companheiro está a trabalhar, como vais sair para espairecer, ir ao ginásio, a uma consulta médica ou apenas ter um tempinho para ti? Deixas esses programas para os day off do teu companheiro, simplesmente porque não tens nenhum familiar por perto que te permita deixar o filho.

E programas românticos a dois? Essas ficam para quando forem de férias para junto dos avós…

O que dizer dos sentimentos de solidão que de vez em quando nos assolam? Esses, por vezes muito difíceis de suportar…e muito facilmente dão lugar a sentimentos de culpa, por estarmos a privar as nossas crianças da presença de tios, avós, primos…estando eles constantemente a ouvir comentar entre os coleguinhas da escola “vou ter com os meus avós no próximo fim de semana…fui brincar com o meu primo ontem…”.

A verdade é que a partir do momento em que somos imigrantes, nunca nos sentimos íntegras, pois não encontramos estabilidade emocional aonde temos maior estabilidade financeira, e vice versa. O ideal seria ter o “melhor dos dois mundos”, mas não havendo essa possibilidade, temos filhos para sustentar e por eles há que fazer sacrifícios.(X)

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito interessante. Realmente são muitas das barreiras que nós as mães emigrantes acabamos por encontrar. Mas por sermos Fortes e Guerreiras conseguimos de alguma forma, ultrapassa-las. Parabéns 👏

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