Foi um “momento especial”, com forte aplauso do público, a homenagem que, em boa hora, a Câmara Municipal de Almada prestou à cantora cabo-verdiana, Celina Pereira, que, acompanhada de familiares e presidentes de juntas de freguesia, se fez presente no palco do “Sol da Caparica”, o festival mais lusófono de Portugal.
Na última quinta-feira (15/08), Maria Celina da Silva Pereira, uma das imigrantes lusófona mais destacadas em Portugal, foi agraciada com a medalha de Mérito Cultural de Prata em reconhecimento do seu empenho na divulgação das artes e a sua dedicação às causas sociais.
O ato, que passou praticamente despercebido à maioria da imprensa portuguesa, ocorreu no primeiro dos quatro dias do festival Sol da Caparica, evento ao qual deu voz Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada, um dos concelhos onde vive uma expressiva comunidade africana imigrante.
“Neste festival, cujas caraterísticas celebra a língua portuguesa, cantada, escrita, que celebra os artistas que se exprimem na nossa língua e que fazem pelos seus povos e pelo nosso povo, e que se instalaram aqui pela nossa terra, Almada, quisemos que esta abertura fosse uma homenagem a esta grande senhora, não só pelo que cantou, pelo que disse, pelo que escreveu, mas pelo que batalhou por todos nós, pelo seu sentido de solidariedade, pela sua dignidade, pela sua beleza, pela sua sensibilidade”, afirmou a edil, rodeada de entidades do poder local.
“E é por isso, com uma grande alegria, que na abertura do Sol deste ano entrego a medalha de Mérito Cultural de Almada a Celina Pereira”, objetivou Inês de Medeiros. «Muito obrigada Celina!», disse no momento em que entregou em mão a distinção à cidadã nascida em 1945, natural da ilha da Boa Vista (Cabo Verde), que acabou por emigrar para Portugal.
Desta forma, a cantora e educadora cabo-verdiana ganha o reconhecimento camarário pelo seu percurso de vida e, em particular, «pela dedicação com que se entregou aos projetos desenvolvidos no concelho». Celina Pereira agradeceu o gesto da autarquia apenas com um sorriso, que transpareceu emoção.
Cantora, educadora e contadora de “estórias”
Foi na margem sul do Tejo, no concelho de Almada, que Celina Pereira escolheu fixar-se, dedicando-se ao desenvolvimento de projetos de intervenção sócio-cultural na área da educação para a cidadania e da partilha intercultural e étnica entre crianças.
Mulher inteligente e culta, a sua veia artística vem da família. Herdou-a do seu avô paterno, pai de 17 filhos e padre católico, filólogo, poeta, músico e pintor que soube transmitir a sua enorme sabedoria e talento aos seus filhos. Tem uma carreira musical invejável. Começou a cantar quando tinha 8 anos, como solista do orfeão, na igreja protestante. A sua primeira atuação profissional aconteceu em 1968, com 25 anos, a convite do Grupo Ritmos Cabo-Verdianos. Daí seguiram-se os convites do já conceituado Bana (….) para participar em atuações nos saraus que organizava. Em Portugal, a primeira atuação na televisão desta conhecida “menina de olhos verdes” foi no programa “Arroz Doce” de Júlio Isidro.
O seu primeiro disco “Força di Cretcheu” (Força do Meu Amor), que inclui histórias e cantigas de roda, brincadeira, casamento e trabalho, foi editado em 1986, com arranjos e direção musical de Paulino Vieira. Mais tarde, em 1990, surgiu o LP “Estória, Estória… No Arquipélago das Maravilhas” que também contou com a colaboração de Paulino Vieira. É nessa altura que, em liceus e nas escolas de Boston/Massachusetts (EUA), dá início ao trabalho de contadora de estórias. Em 1993, lança o álbum “Nós Tradição” editada pela francesa Melódie, ano em que também participa na compilação “Pensa nisto!…”.
No disco “Harpejos e Gorjeios” (1998), canta em crioulo e português, tendo contado com a direção musical de Zé Afonso. Colaborou com o brasileiro Martinho da Vila no tema “Nutridinha (nutridinha do sal)” do disco “Lusofonia” (2000). Ganhou vários prémios internacionais. Em 2003, foi condecorada com a medalha de mérito com o grau de “Comendadora”, atribuída pelo então presidente português, Jorge Sampaio, pelo seu trabalho na área da educação e da cultura cabo-verdiana.
Serenata no B.Leza
Na quinta-feira, dia 22, tem lugar no espaço cultural B.Leza Clube uma serenata à Celina Pereira, com direção musical de Humberto Ramos. Trata-se de uma iniciativa louvável de um grupo de amigos que se junta às várias homenagens que lhe estão a ser prestadas nos últimos meses. «No seu percurso como Cantora, Educadora, Contadora de Estórias e Escritora, buscou sempre a recuperação do património expressivo das histórias e jogos de roda tradicionais africanos, bem como a música tradicional da sua amada terra, Cabo-Verde», lê-se na sinopse do evento postado no Facebook.
Além de cantora, Celina Pereira, autora do reeditado audio-livro “Estória, Estória… Do Tambor a Blimundo” ilustrado pelo artista moçambicano Roberto Chichorro, demonstra pela sua veia de escritora um grande apreço pelas crianças, valorizando na sua obra o diálogo intercultural num espítiro de respeito pela diversidade. Este é “um importante instrumento para a formação das crianças…, indispensável à construção de uma sociedade culturalmente mais rica que desejamos em Portugal”, tal refere o prefácio assinado por Vera Duarte, então ministra da Educação de Cabo Verde.
Precisamente neste domingo (18/08), o Sol da Caparica dedica o dia inteiro às crianças, com música e dança para todas as famílias.(X)