Com lotação esgotada, os Tabanka Djaz atuam esta noite, em Fernão Ferro (margem Sul do Tejo), numa homenagem pelos seus 30 anos de carreira. Nesta que é a terceira edição do Palco da Farra Africana, a mítica banda guineense radicada em Portugal promete festa, mas, em declarações ao Jornal É@GORA, três dos seus integrantes avaliam o novo ciclo político na Guiné-Bissau marcado pela segunda volta das eleições presidenciais do próximo dia 29 deste mês.
Domingos Simões Pereira, candidato do Partido Africano para a Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC) , que disputa a segunda volta das eleições presidenciais com Umaro Sissoco, é, sem sombra de dúvidas, o que está melhor preparado para ser Presidente da Guiné Bissau. Quem o diz é o músico da banda, Juvenal Cabral.
“Se o eleitorado guineense pensar o mesmo que nós pensamos e eleger Domingos Simões Pereira, vamos começar a dar os primeiros passos na organização do país para criar a tão ambicionada estabilidade”, afirma em conferência de imprensa conjunta, realizada na véspera do concerto deste sábado (07/12), que acontece na Quinta da Valenciana, no âmbito do projeto Palco da Farra Africana, criado pelo promotor de eventos, Carlos Pedro.
Juvenal Cabral, Mikas Cabral e Jânio Barbosa falam a uma só voz e mostram-se críticos quando questionados a comentarem sobre o novo ciclo político na Guiné Bissau. Para Juvenal Cabral, já são muitos anos de instabilidade política. Considera que já é tempo de enterrar as crises institucionais. “Este caminho não nos vai levar a lado nenhum”, adverte. “A inexistência do Estado prejudica-nos”.
Neste olhar crítico sobre o país natal, Jânio Barbosa aponta a existência de inúmeras dificuldades na Guiné Bissau também para quem faz música. “Temos bons talentos, mas a dificuldade é imensa”, lamenta. “Uma pessoa quer gravar e não tem condições, quer aprender mais e não consegue evoluir”. Não se consegue dar o salto “porque o país em si está parado”.
“Há muitos talentos, mas a falta de condições”

Critica uma certa paralisia que faz esquecer o lugar da cultura. No entanto, Jânio encoraja os músicos guineenses a se esforçarem para manter a esperança de um dia alcançarem outro patamar. Mikas Cabral remata: “infelizmente eles fazem o que podem com os meios que têm ao seu alcance”. Há muitos talentos, mas a falta de condições, na sua perspetiva, cria barreiras.
Acredita que virão melhores tempos para a Guiné Bissau, certo também que o país tem muito a dar ao mercado da música. Primeiramente, a Guiné Bissau terá de ter um Estado organizado. “Precisamos de ter um Estado, que exista uma verdadeira governação e que o país funcione com normalidade e estabilidade”, perspetiva Mikas Cabral, evocando a grandeza da riqueza cultural da Guiné-Bissau.
Menciona, por exemplo, a etnia balanta “que tem uma fórmula musical tão rica que só não está implantada no mercado internacional porque a Guiné Bissau é o que é”.
É um país em crises constantes – remata –, o que tem contribuído para retrocessos a vários níveis.
“Quando a Guiné Bissau for um país que se afirme como tal, acredito que teremos muito para oferecer à sociedade e ao mundo inteiro”, reage Mikas Cabral quando interrogado pelo Jornal É@GORA sobre a probabilidade de algum estilo musical tradicional guineense vir a integrar a lista do Património Imaterial da Humanidade classificado pela UNESCO, a exemplo da morna de Cabo Verde. Receia, entretanto, que o rico património cultural da Guiné Bissau caia no esquecimento devido às clivagens políticas cíclicas.
Findo este ciclo, muitos guineenses na diáspora ponderam regressar e retomar a vida que deixaram para trás há já vários anos. Juvenal Cabral prefere não fazer nenhum apelo nesse sentido a quem quer que seja porque diz respeitar a opação de cada um.
“Respeito aquele guineense que já está implantado na Europa, com a sua vida organizada, os seus filhos”. Tal como ele, vários guineenses estão nesta situação, não sendo certo que haverá um regresso em massa logo à seguir às eleições. Acredita que tudo aconterá a seu tempo. Desde que o país tenha estabilidade e esteja a desenvolver-se os guineenses vão começar a regressar de uma forma natural».
Adaptar-se aos novos tempos

Juvenal Cabral é o primeiro a reagir quando os jornalistas questionaram sobre o percurso dos 30 anos do agrupamento. “O balanço é positivo, mas fica sempre aquela vontade de fazer mais coisas, coisas novas”.
O músico mostra-se ciente quanto à transformação que se está a registar a nível mundial não só no mercado discográfico. No plano financeiro o mundo mudou bastante nos últimos 20 anos e o grupo viu-se forçado a se reajustar aos novos tempos.
“Ainda estamos a tentar perceber bem o que se está a passar”, refere. “Estivemos habituados a maior parte da nossa carreira a ter uma editora a financiar”, reconhece Juvenal Cabral. “Íamos para os estúdios tranquilos. A nossa única preocupação era fazer música”, adianta. “Hoje temos que ser nós a gerir tudo que diz respeito à parte financeira” e isso “não é fácil” nos tempos atuais. Daí a necessidade do grupo se readaptar às novas especificidades do mercado.
Mikas Cabral não destaca, em particular, um momento alto no percurso da banca. «Foram vários momentos, cada um com o seu sabor, o seu requinte e a sua particularidade». Nesta carreira de 30 anos, reconhece que faltou fazer muita coisa.
Adianta que é prematuro dizer como vai ser o futuro. No entanto, está em vista o lançamento de alguns single, entre temas que serão acompanhados de videoclipes.
“Esta fase é para a vivermos um dia de cada vez, fazendo música enquanto tivermos talento e sobretudo saúde”, diz. Mas, Mikas admite que em 2020, a banda poderá concretizar outros projetos. Na ocasião, acabou por lançar o desafio a quem acreditar nos Tabanka Djaz para a realização de um espetáculo para o “grande público numa sala enorme” com capacidade para 10 mil a 15 mil pessoas. “Porque somos um grupo de massas, gostamos de tocar em grandes festivais”, reforça.
Os três músicos começaram muito cedo a fazer música. Não faltaram oportunidades para carreiras a solo. Uma coisa é certa, reforça Juvenal, existe coesão no seio do grupo, que visa manter de pé o nome dos Tabanka Djaz ainda por muito tempo.
Na primeira edição, o Palco da Farra Africana, que tem por objetivo promover a cultura africana, homenageou o angolano Eduardo Paim. A segunda edição abraçou o cabo-verdiano Grace Évora. De acordo com Carlos Pedro, mentor do projeto, o evento prossegue em 2020, estando já confirmada para 29 de fevereiro a atuação dos Irmãos Almeida, que terá como convidados Jojó Gouveia e Livongh. (X)