Título de residência alargado a partir de 1 de abril, advogados falam de eventual omissão na lei

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FOTO: LUSA ©

Alexandra Silveira e Manuel Matola

O título de residência foi alargado a partir do dia 01 de abril para mais um ano de validade para cada emissão ou renovação, o que vai permitir menos congestionamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) e maior estabilidade para os imigrantes, mas advogados ouvidos pelo jornal É@GORA alertam para eventuais ´tricas jurídicas` da lei quanto ao seu efeito retroativo.

Foi publicada na terça-feira, dia 31 de Março, em Diário da República, a lei 2/2020 sobre a aprovação do Orçamento de Estado e onde se inclui o artigo 183 que rege a simplificação da concessão e renovação de autorização de residência. Neste consta o seguinte: “Em 2020, a autorização de residência temporária prevista no n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, é válida pelo período de dois anos contados da data da emissão do respetivo título e renovável por períodos sucessivos de três anos”.

Ou seja, há uma alteração clara face o regime anterior, no sentido de que prolonga-se um ano em cada uma das situações – primeira concessão de autorização de residência ou renovação da mesma – passando para dois e três anos respetivamente, permitindo desta forma uma maior estabilidade para os imigrantes, mas não só.

Entretanto, em declarações ao jornal É@GORA, o advogado Adriano Malalane, alertou para algumas armadilhas na interpretação jurídica do novo diploma, lembrando que nem todos os imigrantes poderão beneficiar desta extensão do prazo de validade deste documento, pois é preciso ver “se esta decisão do governo aproveita as autorizações de residência que são válidas por um ano e que, entretanto, já caducaram”.

“Todas as autorizações de residência têm a data da sua emissão e de validade. O que a pessoa tem que fazer é o seguinte: pegar na sua autorização de residência a partir de hoje, que é a data em vigor da lei, e ver as datas de emissão e de validade. A pessoa fecha os olhos à data de validade e, caso a residência ainda esteja válida à data de hoje”, faz um exercício mental sobre uma hipotética data em que o documento expira, apelou Adriano Malalane.

Colocando-se no lugar do requerente do título de residência, o advogado exemplificou: “se esta minha autorização de residência temporária foi emitida a 01 de novembro de 2019, pela lei que estava em vigor à data de emissão, este meu título era válido até 01 de novembro de 2020. Está lá escrito”.

Mas “como entrou em vigor esta nova lei, significa que a minha autorização de residência não vai caducar a 01 de novembro de 2020, mas a 01 de novembro de 2021, porque aquele prazo de um ano a contar da emissão é (na verdade de) dois anos. Portanto, aí onde diz válido até 01 de novembro de 2020 eu passo ler que está escrito que é 01 de novembro de 2021”, exercitou.

Contudo, aventando a hipótese de a autorização de residência ter sido emitida a 28 de março de 2019 e caducado um ano depois, a 28 de março de 2020, é preciso saber como interpretar a entrada em vigor deste novo decreto: se o documento caduca ou não a 28 de março de 2021.

“Para isso, é preciso ler a lei até ao fim e tentar perceber se tem efeitos retroativos, porque caso a lei não se aplique retroativamente (significa que o diploma) não aproveita os títulos que já caducaram, porque valeram apenas por um ano”, frisou o especialista em questões de direito de imigração.

“É essa dúvida que pode estar na própria lei”, referiu o advogado, garantindo, no entanto, que “dúvidas não existem em relação àqueles títulos que à data de entrada em vigor da lei ainda estão válidos”.

Aliás, quanto a esses, o entendimento “é pacífico. Autorização de residência válida por um ano e que ainda está válida – vamos supor uma que saiu a 01 de janeiro deste ano, iria terminar a 01 de janeiro de 2021 -, automaticamente, passa a terminar a 01 de janeiro de 2022”, assegurou.

Porém, nem tudo poderá estar claro no diploma. Na sua redação atual, o novo regulamento considera válida por dois anos a autorização de residência contados da data da emissão do respetivo título e renovável por períodos sucessivos de três anos.

Adriano Malalane lembra que, apesar da interpretação desta situação ser “pacífica”, a renovação sucessiva “nunca é automática”.

“Vamos à hipótese inicial de 01 de novembro do ano passado: portanto, por força desta lei, a autorização de residência não vai caducar a 01 de novembro de 2020, mas em 2021. E, em 2021, vai ser renovada por três anos. Vai ser 2022, 2023 e 2024. Mas nunca é automática. A pessoa tem que agendar e ir lá, ao SEF. Quando eles renovarem vão dar (o título) por três anos”, referiu.

Aliás, “nenhum documento português tem renovação automática. Há um período previsto na lei pelo qual será renovado. Ao invés de ser renovado por dois anos como era na lei anterior, passa a ser renovado por três anos. É só isso, mas é preciso que o titular do direito de residência marque, se dirija ao SEF para que o seu título seja renovado”, disse.

Na última sexta-feira, o governo português aprovou o despacho que prevê que os imigrantes com comprovativos de agendamento e mesmo os sem marcação no SEF passam a estar em situação regular em Portugal, desde o dia da declaração de estado de emergência, 18 de março. A situação permite que esse grupo social tenha acesso a “todos os serviços públicos, tais como Serviço Nacional de Saúde e apoios sociais”, um direito que se estende também aos requerentes de asilo.

Mas Adriano Malalane recorda que, mesmo que o imigrante tenha o comprovativo de marcação, “o SEF vai continuar a exigir, do ponto de vista burocrático-administrativo, documentos que lhe permitam ter o título”, ou seja, “todos os requisitos que são exigidos ao imigrante devem ser apresentados ao SEF no ato da renovação” da autorização de residência.

Embora a polícia migratória já não tenha “muita margem” para recusar a atribuição do título de residência, aquela entidade continuará a exigir todos os habituais documentos ao imigrantes, porque “no que diz respeito ao processo propriamente dito, no SEF nada mudou e não pode” mudar por conta das alterações introduzidas na sequência do Covid-19, alerta.

“A pessoa quando vai pedir o titulo de residência pela primeira vez (as autoridades migratórias) dão sempre por um ano. Então, são esses que tinham o título válido apenas por um ano que vão aproveitar de mais um ano. Mas quem tinha o título válido por dois anos não vai somar mais dois anos e só voltar ao SEF passados dois anos. Não. Tem que voltar ao SEF no término dos dois anos para sair com um título já por três anos”, explicou.

Falando ao jornal É@GORA, a advogada Danielle Miranda, que presta assessoria jurídica a imigrantes brasileiros em Portugal, demonstrou ter outro entendimento sobre os efeitos retroativos da lei em vigor desde abril.

“O que eu sei, à título de legislação, até porque eu também passei por esse processo, é: os casos anteriores vão permanecer. Não sei se com essa situação atual com estado de emergência vai haver alguma alteração nesse sentido”, porque antes da eclosão do Covid-19 “os casos anteriores continuariam sendo regidos pela lei anterior, sem alteração”, disse Danielle Miranda, cujos clientes viram recentemente os seus títulos de residência serem renovados duas vezes por um período de dois anos.

Para a jurista, “o prazo do primeiro título de residência seria de um ano e duas renovações de dois anos”, mas agora não sabe dizer se há alguma alteração.

“A princípio é assim que estaria funcionando, tanto que tenho alguns clientes nessa situação. Tivemos o título renovado por um período de dois anos e a ser renovado novamente por um período de dois anos”, contou.

A advogada brasileira alertou, porém, para outra eventual implicação negativa da interpretação do diploma em relação aos prazos.

“A lei é taxativa, inclusive para requerer, por exemplo, a nacionalidade portuguesa: são cinco anos após a residência regular. Isso inclui todas as renovações determinadas na lei”, garante.

Pelo que, “mesmo entrando em vigor a nova lei que faz as alteração dos prazos de validade, os processos anteriores permanecem com a mesma situação, até porque a legislação fala de cinco anos de título de residência de imigrantes para que eles possam requerer a nacionalidade por residência”, diz.

E dá um exemplo ilustrativo: “Imagina se para a próxima renovação se for igualar todos os casos a essa situação atual”, em rigor, “a questão deste prazo de cinco a ser cumprido para requerer a nacionalidade por residência ficaria diferente, isso porque, para os anteriores casos, o primeiro título tinha uma validade de um ano apenas. Supondo que ele fosse renovar agora – que o processo no SEF está suspenso por conta do estado de emergência -, a primeira renovação teria que ser por um período de dois anos e, a segunda, por mais dois anos”.

Então, “se fosse entrar no novo critério, a segunda renovação seria de três anos” e aí o imigrante “nunca completaria os cinco anos de contagem, porque teria três anos dessa segunda renovação contando com o primeiro ano do primeiro título de residência. Logo, ele faria apenas um total de quatro anos”, refere a jurista brasileira.

Feitas as contas, nenhum imigrante “completaria esse prazo de residência por um período de cinco anos para requerer a nacionalidade portuguesa. Então, acredito que continuará a prevalecer a legislação anterior, até por conta da questão dos prazos” exigidos para a solicitação da nacionalidade portuguesa, afirmou.

Questionada se o novo diploma é omisso, Danielle Miranda respondeu: “Não sei se a lei é omissa no que diz respeito aos que estão para renovar. Mas o advogado necessita de fazer esta interpretação da lei porque, por vezes, ela tem uma omissão. Mas acredito que ainda que não seja alguma coisa específica já ajustada ao novo diploma, penso que não tem como ser diferente aos casos anteriores por uma questão de matemática”.

“Por isso eu acho que, mesmo sendo omissa, os casos anteriores devam permanecer como a legislação anterior”, concluiu. (NR e MM)

3 COMENTÁRIOS

  1. Infelizmente renovei o meu título no dia 23 de março último, recebi a autorização de residência em minha morada no dia 05 de Junho, porém com validade de dois anos, acho que não há retroactividade, pelo menos não aconteceu comigo

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