Manuel Matola
As autoridades portuguesas dizem que os imigrantes podem continuar a solicitar o visto CPLP, esclarecendo que “não há incompatibilidade” com as regras da União Europeia que notificou Portugal para em dois meses responder a uma carta enviada pela Comissão Europeia por não cumprir as obrigações europeias que estabelecem um modelo uniforme de título de residência no espaço Schengen.
Bruxelas acusa Portugal de falha no Acordo de Schengen sobre livre circulação por não estar de acordo com as regras europeias que estabelecem um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros. Mas Portugal rejeita.
“Consideramos que a residência CPLP é perfeitamente legal e compatível com as normas do espaço Schengen”, disse ao jornal É@GORA hoje fonte governamental, no mesmo dia em que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, rejeitarem qualquer “ilegalidade ou incompatibilidade” com o espaço Schengen, em resposta ao procedimento de infração instaurado pela Comissão Europeia contra Portugal.
O secretário de Estado dos Assuntos Europeus garantiu hoje que a mobilidade na CPLP vai continuar, mesmo depois de Bruxelas exigir que sejam corrigidas as eventuais lacunas identificadas pela Comissão relativamente ao modelo do título de residência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que vigora desde o passado 13 de março, dia em que o governo português lançou o novo modelo de residência exclusivamente digital dirigido aos cidadãos da CPLP com manifestações de interesse entregues até 31 de dezembro de 2022.
“Nós fomos surpreendidos, na semana passada, com a abertura do procedimento de infração por parte da Comissão Europeia (CE). Temos alguma dificuldade em compreender isso. Já tivemos várias oportunidades, no passado, de explicar à CE que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do Acordo de Mobilidade CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e o regime da área Schengen”, disse Tiago Antunes, citado pela Lusa.
“Estamos seguros e confiantes que não existe qualquer incompatibilidade. Nunca teríamos adotado estas regras se achássemos que estavam em contravenção com o regime Schengen”, sublinhou.
É “na base dessa confiança que continuaremos a aplicar o regime de mobilidade CPLP com total tranquilidade e queremos dizer isso às pessoas (…), que irá continuar a aplicar-se num quadro de total legalidade”, assegurou o secretário de Estado em declarações à Lusa.
“Uma ironia do destino”, diz Marcelo Rebelo de Sousa
O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, também comentou as dúvidas levantadas agora pela Comissão Europeia.
“Portugal tem estado a explicar desde há muitos anos porque é que não há incompatibilidade entre o regime [de vistos] que é adotado em relação à CPLP e o regime europeu, comunitário. Já explicámos porque é que não há contraposição, não há um choque. Até agora isso foi aceite e acreditamos que vamos fazer valer o nosso ponto de vista”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, que considerou, neste contexto, “uma ironia do destino” que “durante tantos anos isso não tenha sido um problema e de repente vir a descobrir-se que há uma ilegalidade que não existia no passado”.
As dúvidas levantadas agora pela Comissão Europeia, referiu, têm por base denúncias de um cidadão individual sobre as quais Portugal já tinha prestado alguns esclarecimentos.
Essas dúvidas dizem respeito à “portaria, que, regulamentando a Lei de Estrangeiros [em Portugal], define o modelo do título de residência CPLP”, refere a agência Lusa.
Um título que se enquadra no regime CPLP, “e este, como viemos a defender desde sempre, em nada contradiz o regime de Schengen, pelo que não vimos qualquer ilegalidade ou violação dos direitos da União Europeia. Pelo contrário, são dois regimes que convivem entre si e não existe qualquer incompatibilidade ou contrariedade entre eles”, insistiu.
O ministro da Administração Interna (MAI) já tinha defendido, também hoje, que o acordo de mobilidade dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) “não colide” com o regime de vistos europeu.
“Naturalmente que as autoridades nacionais já informaram a Comissão [Europeia] e agora manter-se-á um diálogo para mostrar o ponto de vista de Portugal. Do nosso ponto de vista, não colide com as normas europeias”, defendeu José Luis Carneiro em Matosinhos, no distrito do Porto, à margem da apresentação dos resultados da operação Verão Seguro.
Ventura, líder do CHEGA, quer a revogação dos vistos CPLP
Entretanto, André Ventura, líder do CHEGA, disse hoje que aquele partido da extrema-direita e anti-imigração vai propor a revogação deste regime aos cidadãos lusófonos.
“Portugal precisa de imigração mas tem de ter uma política de imigração regulada e controlada, não pode ser um espaço sem portas e sem controlos. Se não pararmos esta loucura, vamos todos pagar, em breve, um preço muito elevado”, referiu André Ventura, citado na Folha Nacional, uma publicação diária em formato digital propriedade do Partido CHEGA, que escreve que o líder daquela formação política “pretende o fim do regime aberto dos vistos CPLP”.
A Comissão Europeia iniciou um “procedimento de infração” contra Portugal por causa das novas autorizações de residência para cidadãos da CPLP, lançadas em março, segundo noticiou o Diário de Notícias.
“O Acordo de Mobilidade da CPLP prevê uma autorização de residência que não está em conformidade com o modelo uniforme estabelecido no Regulamento (CE) n.º 1030/2002. Para além disso, tanto as autorizações de residência como os vistos de longa duração emitidos para fins de procura de emprego a nacionais dos Estados da CPLP não permitem aos seus titulares viajar no espaço Schengen”, refere uma informação da Comissão a que a agência Lusa teve acesso.
Portugal já foi notificado e tem agora dois meses para responder à carta e corrigir as lacunas identificadas pela Comissão.
Contactado pela Lusa, o secretário Executivo da CPLP, disse que não lhe competia fazer comentários sobre uma posição que diz respeito a um Estado-membro da organização, remetendo qualquer esclarecimento para as declarações do Presidente da República sobre o assunto.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou, neste contexto, “uma ironia do destino” que “durante tantos anos isso não tenha sido um problema e de repente vir a descobrir-se que há uma ilegalidade que não existia no passado”.
Desde março, Portugal tem em funcionamento um novo portal disponibilizado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que possibilita aos imigrantes CPLP com processos pendentes até 31 de dezembro de 2022 obter autorização de residência de forma automática.
Mais de 154.000 imigrantes lusófonos, a maioria brasileiros, pediram através do ‘portal CPLP’ uma autorização de residência, tendo já sido emitido o documento a mais de 140.000, segundo o SEF. (MM e Lusa)